Estamos em maio de 68, na França. Godard, François Truffaut e outros cineastas exigem a paralisação do Festival de Cannes em solidariedade às greves estudantis e trabalhistas que ocorriam no país, além de protestarem contra a demissão de Henri Langlois, diretor da Cinemateca Francesa. O episódio ficou conhecido como a Revolução Cultural Francesa de Maio de 68 e é retratado de forma quase paródica no filme O Formidável e no documentário sobre a Nouvelle Vague. Em uma cena marcante, vemos Godard à frente do microfone e das câmeras, esbravejando: “Eu estou falando em solidariedade aos estudantes, e vocês vêm aqui falar em travelings e plano-sequências?”
Não sei se seria justo comparar, mas algumas situações demandam solidariedade, um gesto humanista, uma palavra amiga, especialmente de pessoas com quem temos afinidade, apreço ou mesmo amamos.
Confesso que, depois de tudo que relatei nos últimos dias, não receber nenhuma palavra de solidariedade da pessoa a quem me dirijo é, no mínimo, frustrante e decepcionante. Até mesmo os algozes, como Raffert, me ofereceram uma trégua: ele estendeu a mão, veio até minha escrivaninha dizer que eu estava desbloqueado na página dele, num gesto de solidariedade. Mas, talvez, a pessoa a quem dedico tanto tempo — páginas e mais páginas de escritos, que poderiam compor uma Comédia Humana de Balzac em volume — não me ache digno nem de um emoticon com 👍 para demonstrar apoio, mostrar que está viva, que está feliz por mim, ou simplesmente me incentivar.
Toda ajuda é bem-vinda. Seja espiritual ou física, eu aceito. Orações ou energias positivas. Embora eu saiba que sou o principal responsável pelas minhas decisões, nem sempre posso afirmar que elas sejam plenamente conscientes ou racionais. Às vezes, parecem mais expressões das afecções que surgem conforme meu corpo se relaciona com o mundo, moldando meus pensamentos e vontades. Mas acredito que há espaço para escolhas. É possível vigiar aquilo pelo qual quero ser afetado. Não pode ser que a vida seja um determinismo absoluto, sem nenhuma liberdade de ação consciente para o ser humano. Porque, se assim fosse, o que restaria do ser humano? Mesmo que pensar seja, em parte, uma expressão da nossa energia vital e da nossa potência de agir, mas acredito que isso é assunto para outro texto. Já estou divagando demais.
Talvez seja o horário, ou a medicação. Já passou da hora de eu dormir. Ainda assim, vou postar este texto hoje, mesmo sabendo que isso poderá prejudicar seu alcance e leitura. Mas, se a mensagem chegar à pessoa que amo, meu objetivo estará cumprido. E, mais ainda, se ela se sentir tocada por estas palavras. Enquanto isso não acontece, uma mão que se estende em gesto solidário, eu me conforto simplesmente pela comunicação tácita da presença silenciosa.