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DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos

A Ousadia de Pensar o Impensável

Nietzsche escreveu, em Para Além do Bem e do Mal, que “se retribui mal o mestre tornando-se sempre seu discípulo.” Em Assim Falou Zaratustra, ele abandona seus discípulos dizendo que retornará à solidão e que, apenas quando eles encontrarem o caminho para si mesmos, ele, Zaratustra, voltará para eles.

 

A influência de Nietzsche na obra de Michel Foucault é inegável. Na célebre palestra “A Verdade e as Formas Jurídicas”, proferida aqui no Brasil, Foucault esboça pela primeira vez seu método da arqueologia do saber, que caracterizaria sua abordagem nos próximos livros (A Arqueologia do Saber, Vigiar e Punir e História da Sexualidade). A influência do método genealógico de Nietzsche, particularmente de A Genealogia da Moral, é evidente nessa obra. Nietzsche propõe, por meio da genealogia, investigar a origem e a transformação dos valores, desconstruindo suas pretensas verdades universais. Esse método se relaciona com a arqueologia foucaultiana, que busca mapear as condições históricas que possibilitaram o surgimento de determinadas formas de saber e poder.

 

Foucault exemplifica a figura de alguém que aprendeu com o mestre, mas foi além, transformando o aprendizado em algo novo. Ele ousou pensar o novo, o impensável, que é, em essência, a síntese do pensamento nietzschiano: criar algo inédito por meio da expressão da vontade de potência singular de cada indivíduo, preservando e beneficiando as forças criativas.

 

De maneira semelhante, mas mais direta, Gilles Deleuze também foi fortemente influenciado pelo pensamento de Nietzsche. Contudo, ao contrário de Foucault, Deleuze assume essa influência, transformando-a em originalidade. Ele reinterpretou Nietzsche de sua própria maneira, criando conceitos como niilismo passivo, niilismo reativo e niilismo ativo. Nietzsche nunca organizou esses conceitos de forma sistemática, mas Deleuze o fez em sua obra Nietzsche e a Filosofia, dando-lhes forma e, ao mesmo tempo, desenvolvendo seu próprio pensamento. Além disso, Deleuze criou inúmeros conceitos originais (rizoma, desejo maquínico, corpo sem órgãos, entre outros) e, em parceria com Guattari, inaugurou a esquizoanálise, uma nova abordagem no campo da psicologia. Ele, de fato, ousou pensar o impensável. Um de seus livros foi sobre o cinema francês, mais especificamente sobre Godard, outro que, ouso dizer, estava à frente de seu tempo. Sobre ele, Deleuze escreveu em seu livro que Godard “inventou o pensamento”. Ele se referia ao pensamento cinematográfico. Um percurso genial, um gênio dialogando com outro, de fato.

 

No mundo da tecnologia, inovar é indispensável para sobreviver. Uma figura que admiro profundamente é Steve Jobs. Recomendo a leitura de sua biografia, escrita por Walter Isaacson, a todos que desejam se inspirar e se imbuir de espírito empreendedor. Jobs tinha como lema “Think Different”, um convite para pensarmos fora da caixa, além do convencional. Ele foi o responsável por inovações revolucionárias, como o primeiro smartphone, o iPad e a criação da Pixar.

 

De maneira semelhante, o filme A Rede Social, dirigido por David Fincher, mostra como Mark Zuckerberg transformou uma simples rede universitária na maior rede social do mundo: o Facebook. Hoje, Zuckerberg expande essa ideia para o universo da realidade virtual e do metaverso, refletindo sua ambição ao renomear sua empresa como Meta.

 

Segundo Mikhail Bakhtin, a concepção de gênio não está ligada à inteligência superior ou maior adaptação, mas à capacidade de reorganizar um universo polifônico de ideias disponíveis e transformá-lo em algo original.

 

Por fim, chego a mim mesmo e à pessoa que mais me ensinou a pensar fora da caixa: o professor Clóvis de Barros Filho. Suas aulas de ética na USP, muitas delas infelizmente indisponíveis hoje, marcaram profundamente meu aprendizado. A didática com que ele explicava o pensamento de grandes filósofos tornava o conhecimento acessível e inspirador. Como ele mesmo diz, Clóvis se autodenomina um excelente professor, mas um pensador medíocre (no sentido de mediano), pois ele não propôs nada novo, mas tornou o pensamento complexo de outros mais compreensível.

No entanto, como ele também enfatizava, é preciso ir além dos mestres para pensar por si mesmo. Por isso, além das aulas de Clóvis, Pondé, Karnal, pra citar a tríade mais conhecida do YouTube, busquei outros professores e filósofos mais desconhecidos, como Scarlet Marton, Oswaldo Giacoia, Roberto Machado, Luiz Fuganti, Cláudio Ulpiano e Amauri Ferreira. Até mesmo as aulas do pornô-filósofo Olavo de Carvalho já escutei.

E é possível que, hoje, eu domine o pensamento de alguns filósofos, como Nietzsche, mais do que o próprio Clóvis, graças à minha dedicação, curiosidade e esforço em estudá-los.

Para pensar fora da caixa, é necessário sair do rebanho, romper com o pensamento uniforme e buscar momentos de silêncio e solidão — como dizia Zaratustra.

 

A frase atribuída a Isaac Newton resume bem o que é ousar pensar o impensável: “Se vi mais longe, foi por estar sobre os ombros de gigantes.” Ela expressa a necessidade de preservar o conhecimento do passado para criar algo novo.

 

Atualmente, essa chama me guia: a ousadia de pensar o impensável, de criar algo original, mesmo que ninguém veja, mesmo que seja só para mim. Foi com esse espírito que nasceu meu ensaio filosófico O Pensamento é uma Forma de Arte (originalmente intitulado O Pensamento, a Razão e o Movimento da Estética, link disponível.). Embora as influências filosóficas sejam evidentes, acredito que consegui criar algo novo ao relacionar a vida com um movimento puramente estético — algo que, confesso, nunca li em lugar algum.

 

Ainda assim, considero pouco. Continuo buscando conjugações criativas e originais entre filosofia, literatura, cinema, música e cultura pop, organizando meu universo polifônico de ideias em algo genuinamente novo.

 

“Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu” - Alvaro de Campos.

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 08/01/2025
Alterado em 08/01/2025
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