× Capa Textos Áudios Fotos Perfil Livro de Visitas Contato
DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos

A MORTE DA LÍNGUA PORTUGUESA

Algo que observo com alarme e preocupação é a morte progressiva da língua portuguesa, mesmo entre as classes mais altas, onde se pressupõe um nível de educação mais elevado e, portanto, maior conhecimento das regras formais da gramática da língua portuguesa. Mas o que se observa é justamente o contrário. Mesmo em profissões que subentendem um bom nível de estudo e preparação, a falta de familiaridade com o uso adequado da língua portuguesa chega a ser constrangedora. Muitas vezes, as pessoas preferem mandar áudios para evitar escrever e evidenciar sua deficiência na escrita.

 

Pelo meu convívio social, até médicos, funcionários públicos de alto escalão e advogados demonstram total ou parcial desconhecimento do uso da linguagem culta. Isso revela e infere várias questões: a falta de hábito de leitura no dia a dia – e não me refiro necessariamente à literatura, mas a algo tão básico quanto jornais ou revistas – e uma carência geral de informação e conhecimento. Em tais casos, é comum que as pessoas repitam as mesmas ideias e comportamentos, sem maiores elucubrações.

 

Médicos, que tiveram a oportunidade de estudar em colégios particulares e cursinhos, os mais caros, frequentemente demonstram desconhecimento de regras básicas, como o uso impessoal de verbos como o “haver”. Para eles, o estudo da língua portuguesa e da literatura parece ter sido apenas um empecilho no caminho para o objetivo maior: passar no vestibular. Uma vez alcançado esse objetivo, as letras foi relegada ao esquecimento, num sinal claro de conformismo e de uma vida pouco reflexiva ou intelectualizada, onde o que importa é o consumo e a ostentação de símbolos, como cargos e status.

 

Nietzsche, já no final do século XIX, alertou para esse tipo de felicidade, que ele chamou de “os últimos homens” – o contraponto do Übermensch (super-homem), o homem superior. Segundo ele, os últimos homens são o pior tipo de humanidade que existe, comparáveis a pulgões. Eles se preocupam excessivamente com saúde, bem-estar, paz individual e com o próximo, segurança e otimismo – valores que, segundo Nietzsche, não fazem parte da vida natural e acabam por diminuí-la. Esses homens não buscam, na adversidade, a evolução, o progresso ou a criação de algo novo.

 

Essa decadência também se nota no uso da linguagem. Uma linguagem empobrecida, com vocabulário restrito, tende a nivelar todos os homens. A perda do pathos do distanciamento, da moral nobre, reflete-se na maneira de se comunicar, que deveria demonstrar a elevação ou a riqueza do pensamento. O conceito de Pierre Bourdieu de capital cultural, algo que herdamos de geração em geração, praticamente desapareceu na ausência do hábito de leitura, que é cada vez mais raro. Ainda que subsista em algumas famílias, transmitido pela tradição, é algo difícil de se observar.

 

A beleza do uso da linguagem, o prazer de emitir uma mensagem clara, compreensível e bem redigida, sem erros gramaticais, ou simplesmente o brio de não escrever como um homem das cavernas, estão totalmente perdidos. Hoje, uma foto chama muito mais atenção do que um texto.

 

No final do ano, achei relevante - ingenuamente, confesso - compartilhar minha reflexão sobre o livro A Montanha Mágica com profissionais da saúde em um grupo de WhatsApp composto por médicos e funcionários públicos – alguns até gabaritados. Contextualizei a mensagem com nossa profissão e com o espírito de fim de ano. Contudo, meu texto foi praticamente ignorado. Poucos se deram ao trabalho de ler e aproveitar a oportunidade de enriquecer um pouco mais o conhecimento. Em contrapartida, a foto de uma funcionária já idosa, achando que estava no Rock in Rio, acompanhada de uma legenda pobremente escrita, ganhou adesão imediata e causou grande rebuliço no grupo.

 

A foto que ilustra a imagem é o sepulcro da linguagem. E hoje, com ferramentas auxiliares, como chats de inteligência artificial, que oferecem correção imediata de textos, não há mais razão para que se escrevam documentos com erros crassos de português.

 

Que sociedade mais pobre – culturalmente, socialmente e até moralmente vivemos atualmente.

 

“Até agora, em todas as sociedades, os homens criaram algo para além de si mesmos. E vós quereis ser a corrente que vai contra essa maré, preferindo retroceder ao macaco em vez de superar o homem?”

– Assim Falou Zaratustra

 

 

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 01/01/2025
Comentários