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DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos

DEPENDÊNCIA QUÍMICA

A pessoa que amo me chama de “amor agridoce” e ela tem toda razão. Eu estou devendo esse texto para ela desde que nos conhecemos, e será o mais verdadeiro e delicado que já escrevi até agora. E o que vou contar, nem meus melhores amigos sabem. Ela merece saber toda a verdade.

 

Se alguém se pergunta por que a pessoa que amo me ama tanto, mas não fala comigo diretamente, a resposta está nesta confissão: eu sou dependente químico! E, de alguma forma, sei que ela sabe ou descobriu. Mas talvez, neste texto, eu fale algumas coisas que ela não sabe, ou simplesmente imagina.

 

A verdade é que sou cocainômano desde 2015. No início, eu usava esporadicamente, nas noites em que, às vezes, eu estava na vida noturna de São Paulo, discotecando em festas de amigos, na Rua Augusta, local muito conhecido por sua vida noturna movimentada. Lá, conheci a cocaína. Mas, depois, meu uso passou de recreativo para diário, e, em vez de usá-la apenas à noite, comecei a usá-la em casa, trancado no meu quarto, muitas vezes. Nem sempre esse tempo foi desperdiçado, porque, muitas vezes, eu estudava, lia ou escutava aulas online enquanto usava. Mas a verdade é que na maioria das vezes foi destrutivo. Quando vendi a minha empresa e tinha algum dinheiro acumulado, torrei boa parte dele na noite e em hotéis, consumindo cocaína a noite inteira. Eu poderia ter tido o mesmo fim do Chorão, do Charlie Brown. Incontáveis vezes, estive à beira da morte. Até que a situação ficou insustentável e quem mais sofria era minha família. Em 2022, eles resolveram me internar involuntariamente. Fiquei 6 meses numa clínica de reabilitação, os piores dias da minha vida, principalmente por ficar sem notícias de quem amo.

 

Desde que voltei da clínica, fiquei limpo por um ano e meio, mas, no final do ano passado, tive uma recaída. No começo, minha cabeça me sabotou. Eu achei que poderia usar de vez em quando, apenas, e até consegui durante alguns meses, usando umas duas vezes por mês. Mas, então, perdi o controle novamente e voltei à velha rotina de anos atrás. Hoje, uso diariamente. Se passo um dia sem usar, sinto uma abstinência muito forte.

 

Eu passo no psiquiatra especializado em narcóticos e, desde então, entrei numa disciplina de redução de danos. Reduzi meu uso em uns 60%, mas ainda uso diariamente. Mesmo em pequenas quantidades, me faz muito mal. Minha mãe, com quem moro, é quem mais sofre. Meu nariz está completamente destruído. Gasto rolos de papel higiênico todos os dias, meu nariz sangra, dói e a mucosa está toda ferida. No trabalho, pela minha personalidade, aparência, educação e disciplina, as pessoas nem desconfiam, mas acham estranho eu estar sempre assoando o nariz e bebendo água constantemente. Ou talvez imaginem e eu não saiba, mas não falam nada pela minha alta produtividade e por eu ser reservado. Já faltei alguns dias no trabalho por não estar em condições de trabalhar, de tanto pó que eu havia consumido. No trabalho, uso também, mas sem deixar suspeitas ou me afetar muito. Mas vivo passando mal e com pressão alta. Às vezes, mesmo na política de redução de danos e usando pouco, acabo me descontrolando e uso demais. Eu compro grandes quantidades de uma vez para evitar ficar indo na biqueira. Os traficantes se regozijam quando me veem chegar, porque sabem que vou gastar bastante. Eles dizem que sou o melhor cliente. Gasto uns 300 reais de uma vez, o que dá 30 saquinhos de cocaína. Dá para algumas semanas essa quantidade, mas acontece de eu me descontrolar e consumir tudo em apenas alguns dias.

 

Meu organismo está acusando o abuso da substância. Estive à beira da morte várias vezes e nunca sei quando posso acabar morrendo vergonhosamente de overdose, o que seria uma maneira deprimente de morrer. O pior de tudo é que eu amo a vida, adoro viver e quero viver muitos anos. Mas a verdade é que corro risco iminente toda vez que uso. E pior, eu uso diazepam para cortar os efeitos da cocaína. Aí misturo diazepam com cocaína, o que pode ocasionar consequências imprevisíveis. Acontece que, assim que fico mais calmo com o diazepam e os efeitos adversos da cocaína passam, acabo usando mais cocaína. E agora estou dependente tanto da cocaína quanto do diazepam. Mas eu não gosto de álcool enquanto uso. Talvez só por isso ainda estou vivo, e pela quantidade absurda de água que bebo diariamente.

 

Mas eu quero uma outra maneira de viver. A dor de estar sóbrio é muito dura, os sintomas da abstinência são terríveis. Por isso, me decidi que, durante a semana em que ficarei de férias, de 23 de dezembro a 6 de janeiro, eu vou ao pronto-socorro de psiquiatria, relatar meu problema e, se tudo der certo, vou ficar internado, em observação médica, por 3 dias. De lá, o pronto-socorro me encaminhará para o Centro de Terapia de Narcóticos da USP, onde sou paciente, e conseguirei uma internação durante esse período de férias, de uns 15 dias.

Passarei o natal e ano novo novamente longe de casa e da minha família (igual em 2022, quando fiquei internado) mas é por um ótimo motivo. Cuidar da minha saúde.

Esse tempo será bom para me desintoxicar e ter acompanhamento médico, que tratará minha abstinência. Espero que dê certo, porque, sinceramente, sozinho, eu não tenho força suficiente para parar.

 

Apesar desse meu problema químico, sou uma pessoa gentil no dia a dia, dócil e educada. Trabalho com o público, e atendo a todos muito bem. De modo geral, levo uma vida bastante intelectualizada. No entanto, deixo de fazer muitas coisas que gosto, como assistir aos jogos de futebol americano e futebol convencional, ler e estudar com mais frequência ou ver filmes, tudo por conta da minha adicção.

 

Então, penso na pessoa que amo. É preciso muita coragem e muito amor para saber desse meu problema e, ainda assim, continuar presente, me lendo e postando, embora com menos frequência do que eu desejaria. Mas eu não julgo ela. Eu brinco com meu amigo J. se ele namoraria uma dependente química, e ele diz que, claro que não, embora sairia com uma desde que o vício não fosse maconha ou crack, por causa do cheiro.

 

E essa é minha história, meus amigos. Meus haters já têm como me atacar agora. Mas essa é minha batalha, meu esqueleto no armário, meu calcanhar de Aquiles. Quem crê, ore por mim. Quem não crê, me dê forças positivas. Porque eu aceito todas.
 

Meu maior receio é que esse histórico, mesmo que um dia superado — e eu vou superar —, seja sempre um empecilho para eu ficar com a pessoa que amo. Ou será que o amor realmente supera todos os obstáculos?

 

Apesar de ser dependente químico, todos os meus amigos mais próximos atualmente são caretas. Eu saio com eles numa boa, fico sem usar nada, só na cervejinha, e ninguém nunca desconfiou. Além disso, quando estou em festas de família, jamais usei. Sou sociável, mesmo sendo adicto.

 

Sigo como na música do Bezerra: “Se segura, malandro, pra fazer a cabeça tem hora.” Mas, no meu caso, não é maconha… é pó.

 

 

 

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 22/12/2024
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