Pai,
Se não fosse esse compromisso que criamos de eu sempre te escrever à noite, hoje eu dormiria pelo sono que carrego.
“A vocês eu deixo o sono, o sonho não; esse eu mesmo carrego.”
Mas o sonho só se realiza como o sono. O sono é resultado de alguém que se deu ao máximo naquele dia, se esforçou ao máximo — cuja recompensa é um bom sonho.
No meu sonho, sempre arde a mesma pessoa.
A inominável, cuja palavra — igual ela — carrega dois “n”.
O sonho de estar com ela, um dia, eu quero carregar sozinho também. E não divido com ninguém.
E o meu esforço diário é para realizá-lo.
Minha força de vontade seria capaz de derrubar todo um exército — mas sem disparar um tiro.
Da minha carabina só saem rosas e bolhas de sabão.
E, ao contrário de Sansão, eu nem preciso de cabelo. Sou praticamente careca.
Desconfio que toda oração é só uma justificativa para seus filhos pedirem algo, meu Pai.
E o Senhor, assim que vê aí do alto alguém se ajoelhando, já deve logo pensar:
“Olha lá, já vem ele querer me pedir algo…”
Mas, em vez de pedir, eu vou agradecer.
Pelo dom que me deu de não ter dom algum.
Ou, em outras palavras: o dom de apenas saber reconhecer o dom de outras pessoas.
Em outras palavras, novamente: aquilo que poderíamos chamar de o dom do bom gosto.
E não é o bom gosto o maior dos dons?
Pois é o que te permite avaliar o bom do que não presta.
E é com base nesse dom, que me permite avalizar no mais alto grau o meu amor,
e sonhar com o sono do cansaço do meu esforço em um dia realizar esse amor.
Com a tua graça.
Amém.