Deus, essa nossa conversa íntima — lida talvez por mais umas quinze pessoas apenas, que testemunham nosso amor recíproco — se tornou um ritual, meu momento favorito do dia.
O Senhor há de me perdoar pelo perjúrio de não fechar os olhos e me ajoelhar. É que tenho uma bolinha no joelho que torna o processo dolorido. Um amigo cometeu o disparate de dizer que essa bolinha é como uma maldição e condenação aos Teus olhos, porque justamente me impediria de ajoelhar.
Mas ora, o que é a liturgia diante da magnitude de conversar Contigo, que já vai diretamente no atalho do pensamento e das intenções? Que vai ao nosso coração — esse lugar no qual, em alguns, o Senhor faz morada. Em outros, tão conspurcado, o Senhor apenas visita para retirar-se depois, com asco.
Meu colega não sabe que os sermões do famoso padre da sua igreja mais célebre — e que carrega o mesmo sobrenome que eu, o que acredito não ser coincidência — viraram livros por sua qualidade literária. E que ele pregava através da escrita.
E que diferença há de ter, se eu orar também pela escrita?
Há orações na Bíblia. Justamente ela nos ensinava a mais famosa, o Pai Nosso. Com certeza, valerá mais uma oração escrita e espontânea do que uma decorada, sem fé, intenção ou verdade.
Na minha veleidade, pediria que me inspirasse como o Padre Vieira em seus textos e sermões — aquele que Pessoa considerava o padroeiro da língua portuguesa. Ora, para Pessoa dizer isso de um português que não seja ele mesmo, é porque o padre realmente era um santo da escrita.
Já eu me assemelho aos dois apenas por repetir o mantra:
“O que serei amanhã, eu que não sei o que sou nem hoje.”
E o Senhor me sopra ao coração a frase de A Mulher de Trinta Anos, de Balzac — o pai contemplando a filha que dá nome ao romance:
“Veja, minha filha, hoje ela é feliz… mas será que amanhã continuará a sê-lo?”
Hoje, estou feliz, meu Pai, graças à Tua enorme graça e misericórdia. Graças à Tua vontade — porque, pela minha mesmo, mesmo que inconsciente, não era nem para eu estar aqui.
No processo, fui punido severamente por Ti. Mas não me concedeste a morte, e hoje estou mais forte do que nunca. Afirmando que ninguém me vence todos os dias, e que o eu de ontem só perde para o eu mesmo de hoje.
Que assim seja daqui em diante.
E sem redundância:
Amém.