Não acredito num amor que tenha que implorar ou até pedir licença para se realizar. Quando escrevo textos, é comum que, depois de finalizado, eu lembre o que gostaria de ter dito a mais. Este texto será apenas excertos dos meus escritos, representando o que eu gostaria de dizer se tivesse mais tempo ou a chance de pronunciar as palavras que a mente esqueceu e a voz não disse.
Este é um texto para todos e para ninguém, sobre tudo e sobre nada, mas cujo título, como diria Fernando Pessoa, ou Clarice Lispector, ou mais propriamente, Clovis de Barros Filho, é do caralho de bom.
Após escrever o texto sobre o casal de lésbicas, fiquei pensando sobre o que as mulheres buscam em seus parceiros: status financeiro e conforto, por mais banais ou comuns que esses desejos possam parecer. No entanto, para amantes, elas procuram alguém distinto, alguém que as faça esquecer da banalidade de suas vidas cotidianas e sentir emoções intensas tanto da carne quanto do espírito. Isso é um reflexo da casa grande e senzala, como Gilberto Freyre disse, onde os senhores da casa se casam entre si, mas para seus prazeres carnais, servem os escravos.
Lembrei também do filme Dogville, de Lars Von Trier, em que a protagonista branca se imagina cercada por negros no banheiro. Mais à frente, sua fantasia sexual é realizada por um homem ébano retinto, da cor da escuridão, como diz Pixies: “He’s like dark, but I want him: gigantic, a big big love.” Porém, no final, as coisas não deram muito certo.
Sobre o abdômen definido e o porte físico, faltou mencionar que alguém que é magro de “ruim”, ou hábitos nocivos como o uso de drogas, ou por causas naturais, jamais será um magro como eu. Minha cintura diminuta vai contra minha tendência genética, sendo conquistada com boa alimentação, esforço físico e bons hábitos. É natural e saudável, sem intervenções médicas como drenagem linfática.
A consciência de que não se muda uma vida de maus hábitos da noite para o dia, fazendo um intensivão de exercícios ou dietas malucas e radicais, é essencial. Com consistência e tempo, a mudança pode demorar anos, e é preciso paciência. O tempo pode tanto jogar a favor, como um bom vinho, mas existem certos alimentos que apodrecem sob o efeito do tempo. Por isso, precisamos canalizar nossas energias para fazer com que o tempo trabalhe a favor, não contra.
Ainda sobre a ideia de Dostoiévski, de que “se Deus não existisse, tudo seria permitido”, eu rebato, pois é sempre outro que impõe limites ao desejo, como diz Sartre em Entre Quatro Paredes: “O inferno são os outros.” No prazer também não vale tudo; é o desejo do outro que impõe limites. Porém, como diz Celso Russomano, estando bom para ambas as partes, tudo é permitido.
Chaves, o órfão jovem, não tinha vergonha de trabalhar para conseguir alguns vinténs, tudo para comer um simples sanduíche de presunto. O coitado tentou vender churros, mas fracassou pela fome. Trabalhou de garçom no restaurante da Dona Florinda, vendeu refrescos exóticos, que pareciam limão, mas tinham gosto de tamarindo, embora fossem de laranja. Até tentou vender garrafas vazias, assim como esse humilde escriba.
Dizem que você sai da favela, mas a favela nunca sai de você. E isso é pessimismo, porque viver na favela é viver numa bolha. Só traficantes e músicos podem se dar ao luxo de viver na favela e ainda viver bem — e olhe lá.
Um homem não deve estar ou permanecer preso nas suas circunstâncias, por mais difíceis e impeditivas que sejam. Caso contrário, ele se aliena e deixa de expandir seus horizontes. Quem vive restrito na quebrada, favela ou periferia é socialmente excluído, e não há o que glamourizar na indignidade.
Sinceramente, toda a expressão, a maioria que sai de lá, é de baixa qualidade intelectual e cultural. E eu falo porque conheço: trap e funk são a trilha sonora da periferia. Quando estive internado, era só isso que ouvíamos, e mesmo assim tentei sobreviver naquele ambiente inóspito, envolto nos meus livros. Mesmo assim, isso não me impediu de me adaptar.
Por exemplo, música eletrônica está em todo lugar — nos canais de treino no YouTube, nas academias, nos festivais —, mas não dá para comparar a música eletrônica do populacho com a qualidade do que eu escuto, que tem o aval dos grandes selos do mundo, de gravadoras que revelaram Daft Punk, Chemical Brothers, Prodigy, e influenciados por Kraftwerk. Já os fãs de David Guetta nem sabem do que estou falando.
É sobre isso que falo: a necessidade de conhecer, viajar, expandir horizontes — seja in loco, seja pelas leituras, seja pelos filmes.
A propósito das minhas amigas lésbicas: eu me dou bem com elas e converso com praticamente todo interlocutor, porque falo e discorro ecumenicamente sobre praticamente tudo, desde que seja humano, pois “entre o céu e a terra há bem mais coisas do que sonha nossa vã filosofia.”
Converso com elas sobre filmes, indico filmes, sobre videogames — The Last of Us, as séries da Netflix —, mas sempre com meu toque original, indicando filmes clássicos e jogos que, infelizmente, elas provavelmente não verão. Mas faço o meu papel.
De livros, nem falamos, é claro. Na verdade, até que tem muita gente que lê — eu vejo no transporte público —, mas o que elas leem? Há demanda por conhecimento e filosofia de qualidade? Mas que filosofia chega na casa das pessoas? Que tipo de literatura?
É uma literatura de força? Uma filosofia longe do senso comum? Eu, como cinéfilo que sou, entendo um pouco da história do cinema e de seus principais movimentos. Mas sinceramente, atualmente qualquer um que tenha streaming ou que alugava DVDs ou comprava filmes em camelôs vê mais filmes do que eu. A diferença está na qualidade do que eu consumo, em como emprego meu tempo e no discernimento sobre técnica, história e na capacidade de diferenciar o que é bom do que não presta.
Essa régua eu aplico a tudo na vida: cultura, moda, lugares e pessoas.
E como Žižek diria em Menos Que Nada, livro ousado que interpreta para a modernidade o materialismo dialético de Hegel: A verdadeira potência nasce do vazio — do que falta, do que dói, do que incomoda.
É desse nada que eu tiro tudo. Mesmo sendo menos que nada, eu consigo ser tudo.