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DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos


A ESCALADA FATAL DO DESEJO

 



O desejo como potência vital

O desejo é expressão da vontade de potência — o que pode ser positivo e negativo — e está sempre relacionado com Eros, um dos primeiros deuses da mitologia, ligado à energia vital que impulsiona e gera a vida. Freud o chamaria de libido.

 

Como vontade de potência, o desejo libidinal busca, cada vez mais, aumentar sua força. Por isso, é importante que haja ferramentas internas e fatores externos — pessoas e instituições — capazes de freá-lo. Caso contrário, ele pode não conhecer limites.

 


 

Capitalismo como expressão do desejo desenfreado

Nesse sentido, o sistema econômico mais preponderante da atualidade, o capitalismo, é a própria expressão da vontade de potência. Capitalista é aquele que detém os meios de produção, como diria Marx, e seu objetivo é o lucro — a mais-valia — sempre expandindo sem um fim aparente.

 

Segundo Max Weber, em A ética protestante e o espírito do capitalismo, a acumulação de capital e riqueza era vista como um sinal da predestinação divina, uma espécie de confirmação de que Deus nos favorecia multiplicando nossos lucros na Terra.

 

Na origem, portanto, o capitalismo era movido por um impulso ético-religioso: trabalhar, produzir, poupar e reinvestir. Com o tempo, esse impulso se secularizou e deu lugar a um sistema movido apenas por interesses materiais e desejos de consumo — a fase atual do capitalismo.

 


 

Felicidade como realização de desejos

O que se vê é que o capitalismo é sempre egoísta: acumular, expandir, lucrar, consumir, realizar desejos. Filósofos como Herbert Marcuse, da Escola de Frankfurt, ou Gilles Lipovetsky vão analisar a felicidade como sendo a capacidade humana de realizar desejos.

 

Quanto mais desejos uma pessoa realiza em vida — o que normalmente só é possível por meio do dinheiro, fornecido pelo modelo capitalista — mais feliz ela seria. E a sociedade pós-moderna incentiva esse hedonismo do consumo, por meio da sociedade do espetáculo de Guy Debord, da idealização da imagem nas redes sociais, do individualismo e da competição que se tornam campo de batalha da vontade de potência.

 


 

O papel do Estado: frear os impulsos da potência

Se o desejo e o capitalismo querem tudo, a lógica do Estado é justamente conter essas forças acumulativas. O Estado cria instituições protetoras como a polícia, o exército e as políticas públicas de reparação histórica ou redistribuição de renda, que visam amortizar desigualdades sociais.

 

Se você não entende que a lógica do indivíduo e do capitalista é uma e a do Estado é outra — e que a relação entre elas é de oposição e mediação — você não entendeu nada.

 

O papel do Estado é proteger a sociedade da vontade de potência dos agentes sociais e oferecer acesso à educação, saúde e políticas de combate à desigualdade. Quando atua bem, ele internaliza essa consciência nas pessoas, por meio das regras sociais.

 


 

O panóptico e o superego

Michel Foucault, a partir da ideia de Jeremy Bentham, explica o panóptico como um modelo de vigilância onde os indivíduos, sem saberem de onde vem o olhar, internalizam as regras sociais e moldam seu comportamento por medo de estarem sendo observados.

 

Freud chamaria essa internalização do Estado e da moralidade de superego — a consciência moral do indivíduo, formada de fora para dentro, e que controla os instintos animais, a vontade de potência cega e caótica que ele chamou de id.

 

A relação entre o superego, que freia, e o id, que impulsiona, se manifesta socialmente por meio do ego — o “eu” social. Se o superego está mais forte que o id, o indivíduo é domesticado e seguidor das regras. Se está enfraquecido, ele se torna o famoso porra-louca.

 


 

A escalada sem fim do desejo

O desejo não se satisfaz. Ele escala. E se não for freado, paradoxalmente, pode conduzir à morte. Isso porque a vontade de potência — a vida que quer se expandir — pode se transformar em impulso de morte quando desequilibrada.

 

É como quando se sucumbe aos vícios. Alguém acostumado a realizar todos os desejos passa a buscar estímulos cada vez mais intensos. Não se começa direto com parafilias ou orgias. Mas a escalada do desejo tende a isso.

 


 

Exemplos da realidade e da ficção

Veja o caso de Ronaldo, famoso, rico, bem-sucedido, envolvido num escândalo com travestis. Ou do ator Alexandre Borges, também casado, flagrado em situação semelhante. São exemplos de homens entediados, acostumados a ter tudo, que buscam o diferente, o novo, o extremo.

 

Dizem que muitos homens casados procuram dominatrix, prostitutas e até desejam ser sodomizados com cintaralhos. Será desejo de inversão de papéis? Desejo de sentir o que fazem suas parceiras sentirem? Desejo de transgressão?

 

Lewis Carroll, autor de Alice no País das Maravilhas, foi acusado de fotografar meninas nuas. Michael Jackson, acusado de comportamento estranho com crianças. Cineastas como Polanski ou Woody Allen também enfrentam polêmicas sobre abuso infantil. São homens poderosos que poderiam viver relacionamentos convencionais, mas escolheram outro caminho — o caminho do id.

 


 

Olhos bem fechados: o sexo como ritual burguês

No filme De Olhos Bem Fechados, de Stanley Kubrick, Tom Cruise interpreta um homem atormentado pela possibilidade de traição da esposa (Nicole Kidman), que acaba envolvido numa seita de super ricos, onde ocorrem orgias mascaradas num ambiente ritualístico e maçônico.

 

A cena mostra uma elite entediada, anestesiada pela rotina do luxo, buscando no sexo a última fronteira do prazer. Kubrick, perfeccionista técnico e exímio fotógrafo, dirige uma obra que é quase um ensaio filosófico sobre o desejo burguês.

 


 

O tédio, a dor e o pêndulo de Schopenhauer

Esse exemplo personifica a escalada do desejo desenfreado, a relação entre capitalismo e os ricos entediados que buscam orgias. Como diria Schopenhauer, a vida é um pêndulo entre o tédio e a dor: a dor pela ausência do desejo e o tédio após sua realização.

 

O ser humano está sempre infeliz.

 

Narrando, como fiz há um tempo, sobre uma praça em São Paulo, onde ricos assistem suas esposas chegarem em limusines enquanto são devorados por vários homens sob olhares voyeurísticos, volto à questão: quais são os prazeres da burguesia?

 

Prazeres estranhos. Desejos desenfreados que escalam sem conhecer freios.
 


 

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 19/04/2025
Alterado em 19/04/2025
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