A diferença entre quem escreve e quem lê é, essencialmente, nenhuma.
No meu caso, eu sou capaz de escrever bastante porque já li bastante. Hoje, é verdade, leio menos. Mas leio. E escrevo. Muito. Porque um alimenta o outro.
No mundo apressado de hoje, quem é visto lendo um livro no transporte público parece um estranho. Diferente. Fora do tempo. Porque ler é, de certa forma, uma resistência. É um ato quase subversivo na sociedade atual, onde tudo pede urgência, mas nada exige profundidade.
Mais importante do que a quantidade ou a suposta qualidade do que se lê, é o que se extrai da leitura — e o que se faz com ela depois.
Quarta-feira, lendo, tão absorto na minha leitura do Kindle, quase perdi a estação onde deveria descer. Não percebi o tempo passar. Não ouvi o barulho ao redor. Eu tinha mergulhado.
Quando leio, tenho a capacidade de me concentrar totalmente. E esse foco não veio de graça. Veio do hábito. Do exercício. Ler com atenção, compreender o conteúdo dos livros — isso se tornou fácil para mim porque enfrentei a dificuldade da leitura.
Li os clássicos da literatura. Romances difíceis pelo estilo e pela estrutura: O Som e a Fúria, de Faulkner; Catatau, de Leminski; Grande Sertão: Veredas; A Paixão segundo G.H., de Clarice; Ulysses, de Joyce; A Divina Comédia. E, principalmente, filosofia.
Também li normas técnicas, portarias, manuais jurídicos, de comercio exterior e gestão da qualidade a titulo do meu ofício de técnico de certificação e de importação. E li, com o mesmo gosto, a prosa leve, gostosa, que parece conversar com a gente. Porque ler é ginástica para o cérebro.
É assim que se adquire repertório cultural. É assim que se aprende a escrever com alguma consistência — tendo o que dizer.
Ler é como viajar. Liberta a alma, expande o vocabulário, dá matéria-prima para as elucubrações. E, finalmente, permite criar.
Sim, eu já li uma coisa e outra. Sistematicamente. Inutilmente. Mais de 60 livros por ano. Mas, às vezes, é melhor ler apenas um — se dele você puder extrair um grande ensinamento.
Hoje leio muito menos. Quase nada. Mas escrevo. Porque minha hora agora é de cuidar daquilo que dá sustentação ao pensamento: um corpo saudável.