Me deparei com um texto no Recanto muito curioso, em que a autora alertava que os textos de alguns autores são bem escritos demais — formados adequadamente, com conteúdo óbvio e maquinal — a ponto de nem parecerem obra humana, mas coisa de inteligência artificial.
Acho esse precedente preocupante. A discussão levantada nos leva, daqui a pouco, a fazer elogio ao erro gramatical, como se errar fosse humano — e, por isso, erros básicos de português, concordância e pontuação devessem ser tolerados e até romantizados.
Mas a crítica tem seu valor. Afinal, a inteligência artificial não pode escrever por nós. Então fui procurar o perfil da autora — e, numa descrição que faria inveja ao Dedé Cavoeiro, personagem mitológico do Hermes e Renato, interpretado pelo saudoso Gil Brother, que dizia ter sido de artilheiro da Copa de 70 a presidente do Brasil, e cujas últimas palavras foram: “Eu te amo, Brasil” — encontrei algo curioso.
A supracitada autora se diz formada em Filosofia. E, na sua descrição, escreve:
“Autoditada em assuntos que DESPERTA meu interesse.”
Ora… achei curioso. Uma crítica vinda de alguém que comete um erro crasso de concordância como esse — algo que certamente passaria pelo crivo de uma IA e seria corrigido. E chama mais atenção ainda vindo de alguém que cursou Filosofia e diz ter o hábito de ler — cometer um erro gramatical tão básico.
A autora não publicou meu comentário, mas me enviou um e-mail explicando e justificando o erro — como quem diz entender que o erro de português é humano, quase uma glamourização do desconhecimento da nossa língua nativa. E justificando que, para ela, é melhor o erro do que a escrita corrigida por uma IA.
Essa glamourização da ignorância me chamou a atenção.
Eu mesmo me permito passar meus textos pelo crivo da IA, porque isso otimiza meu tempo — que, aliás, não tenho para revisar subtítulos e corrigir pontuação.
Mas só me permito isso porque, sinceramente, escrevo em espaço público digital desde os 14 anos — em blogs e redes sociais — muito antes de haver correção automática no celular, editores de texto e, muito menos, IA.
No Recanto das Letras eu escrevia muito antes de conhecer o ChatGPT.
Mandava e-mails para a pessoa que julguei amar, praticamente no mesmo padrão que escrevo aqui.
E se não fosse pelo fato de ela saber do meu domínio da língua portuguesa, talvez até pensasse que os textos não fossem meus.
Não me importo de usar a IA para correção, porque ela não escreve por mim — nem poderia.
Acho que, ao lerem meus textos, fica claro: isso não poderia surgir de uma máquina.
A IA ajuda. Mas o pensamento, o ritmo, as associações, as referências e as entrelinhas — só um humano poderia escrever isso.
E, na verdade, a existência dessa ferramenta torna ainda mais inadmissível alguém escrever um texto oficial por uma empresa, ou numa página de literatura, com erros crassos de português.