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DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos

A Primeira Vez a Gente Nunca Esquece


Há tantas primeiras vezes em nossas vidas. Quero dizer: todas as experiências inéditas, sejam elas boas ou não.

 

Como no excelente filme A Primeira Noite de um Homem, em que Dustin Hoffman se envolve sexualmente pela primeira vez com uma mulher adulta, casada, que o seduz. Mas, no meu caso, a primeira vez de que falo não foi na carne — foi no espírito: minha primeira vez lendo filosofia e literatura.

 


Zaratustra aos 21

Tinha 21 anos quando li um livro de Nietzsche pela primeira vez. E, é claro, como bom leigo, comecei pelo mais difícil — e, talvez, o mais hermético: Assim Falou Zaratustra.

 

Começar por ali, sem orientação alguma, foi como ser lançado num mar revolto, sem bússola nem boia. Eu não entendi nada. E o pouco que compreendi, discordei por completo. Não porque o pensamento fosse fraco, mas porque eu ainda estava enraizado numa moral cristã e kantiana — sem sequer entender o que isso significava.

 


 

Filosofia do Abismo

O efeito imediato que leitura me gerou foi o medo. Nietzsche me deu medo. Medo da novidade. Medo de alguém que falava a favor da terra, contra o cristianismo.

 

Essa filosofia da soberba, do egocentrismo, voltada para o corpo, para a criação de novos valores — essa tal vontade de potência — soava como algo profundamente diabólico. Não à toa, ele assinava como o Anticristo.

 

E de fato, se olharmos pelo ponto de vista cristão e moral, Nietzsche não era propriamente anticristo, mas anticristão. O diabo, nessa lógica, seria a imagem do egoísmo exacerbado, aquele que não pensa no próximo. Lúcifer se tornou o diabo justamente por sua arrogância, por se achar… um super-homem, digamos assim.

 


 

A Minha Escritura Profana

Curiosamente, meu livro favorito de Nietzsche hoje é justamente O Anticristo, no qual ele destrincha a psicologia do cristianismo, dos padres, de Saulo (que se converteu em Paulo) e do Gênesis.

 

É tudo muito diabólico, terrível — e, ainda assim, necessário. Libertador.

 

Aquele livro hermético, de linguagem poética e simbólica, de lirismo intenso, é hoje o que mais li em toda minha vida. Sei recitá-lo de cor. Ele me conversa ao ouvido. Ele me moldou.

 

Foi através dele que cheguei a outros filósofos com os quais faço agenciamento — especialmente Deleuze, um discípulo de Nietzsche, que me ensinou a transitar entre as forças da vida sem sucumbir ao niilismo reativo.

 


 

Niilismo Criativo

Hoje, o que carrego comigo é um niilismo criativo. Um modo de existir que não parte da negação, mas da criação.

 

Não tenho uma visão dogmática do mundo. Pelo contrário: não descarto nada, nenhuma filosofia ou pensamento. Avalio o que convém mais ao meu corpo, à minha individualidade singular.

 

Posso discordar do marxismo revolucionário, mas admirar sua análise sociológica. Posso ser fã de Jesus Cristo, mas acreditar que o problema de Jesus é o seu fã clube. Posso apreciar a espiritualidade de Pascal e, ao mesmo tempo, discordar profundamente de sua filosofia.

 

Tudo, como produtos descartáveis, pode ser reaproveitado. Reciclável. O que importa é reorganizar esse universo polifônico de ideias e sintetizar algo novo.

 


 

Minha Bíblia Profana

Hoje, Assim Falou Zaratustra é, com todo respeito, como a Bíblia é para os cristãos.

 

Sempre releio, revisito antes de dormir. Ele me oferece respostas laicas para os problemas da vida.

 

Mas leio também a Bíblia — porque, na minha filosofia de agenciamentos, não há eliminação. Só reaproveitamento. Só criação.

 

Criação de algo novo.

 

 

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 16/04/2025
Alterado em 16/04/2025
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