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DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos

Prefira se F*DER com o Seu Próprio “COOL”

 

Errar com as Próprias Pernas

Esse axioma é uma hipérbole do clássico “errar com as próprias pernas” ou do “se coloque no meu lugar” — ou ainda do Try walking in my shoes, como na bela composição do Depeche Mode.

 

Acho que essa máxima significa que o melhor caminho é o que seguimos com as nossas próprias pernas. A alteridade, isto é, os outros, sempre será um território incerto. Sartre já dizia: “O inferno são os outros”. Por mais que alguém tenha empatia por nós, jamais poderá compreender completamente os caminhos que trilhamos, pois não tem acesso aos nossos pensamentos mais profundos.

 

Mesmo em uma atividade a dois, como no sexo, o outro jamais poderá sentir o nosso orgasmo — apenas ser o motivo dele. O prazer é exclusivamente nosso. Mesmo que o ápice seja simultâneo, o parceiro só pode imaginar o nível de êxtase que despertou, mas nunca experimentá-lo exatamente como nós.

 

Ciência ou Intuição? Só Importa o Que é Nosso

Por isso, o melhor caminho que podemos seguir é aquele escolhido por nós mesmos. Seja por um conhecimento intuitivo, como diria Bergson — aquele adquirido pela experiência e pelos sentidos — ou pelo conhecimento científico, que é intelectual, abstrato e baseado em conceitos racionais.

 

Uma decisão tomada com base em nosso próprio conhecimento, seja ele científico ou intuitivo, jamais será inferior a uma escolha imposta por outro. Qualquer determinação externa — seja de instituições, pais ou da sociedade — sempre será limitada, porque ninguém pode sentir o que sentimos, pensar como pensamos ou decidir por nós. Somos uma energia singular, por mais bem-intencionados que os outros possam ser.

 

As Drogas, o Estigma e a Consciência

Veja o meu caso. Como ex-dependente químico, posso dizer com certeza que, se tivesse seguido à risca os conselhos dos meus pais, jamais teria me envolvido com drogas. Mas a vida, as experimentações e as vivências com o outro me levaram a experimentar e, por um tempo, me tornar refém desse prazer efêmero.

 

É, sem dúvida, estigmatizante ser dependente químico. Não há nada de glorioso nisso. No entanto, as experiências que vivi por causa dos entorpecentes, o fato de ter sobrevivido e superado essa fase, poder criticar com consciência de causa e, acima de tudo, ter escolhido a sobriedade depois de conhecer ambos os lados — isso é algo que só quem passou por essa jornada pode compreender.

 

O preconceito contra as drogas não é aquele preconceito moralista da sociedade conservadora. É um julgamento fundamentado na experiência empírica.

 

A Tragédia de se Arrepender do que Não Fez

A essência da filosofia que vivo, tanto consciente quanto inconscientemente, reside na compreensão visceral de que só temos uma existência e que não há tempo para arrependimentos.

 

Por isso, nunca deixo para depois o que posso fazer agora. Para mim, viver é acumular experiências. Se tenho vontade de comer algo, de comprar algo que considero valioso, não espero. O futuro é incerto. O pior que pode acontecer é chegar à velhice e perceber que não vivi como gostaria — que não estudei mais, que não me permiti um grande amor, que deixei de viver de outra maneira.

 

Essa é exatamente a reflexão de Ivan Ilitch, personagem de Tolstói, que viveu uma vida confortável, mas vazia, casado com uma mulher que não amava apenas para manter as aparências. Cercado de amigos banais e interesseiros, só quando foi acometido por uma doença fatal percebeu a banalidade de sua existência.

 

Ao se dar conta de sua miséria, Ivan Ilitch passa a gritar de dor propositalmente — não apenas pela doença, mas para que todos notem seu sofrimento. No entanto, o verdadeiro sofrimento que ele quer expressar não é o físico, mas o existencial. Ele deseja que os outros enxerguem a tragédia de suas escolhas. Mas, por mais que tentem, ninguém pode sentir sua dor. Assim como ninguém pode sentir o orgasmo de outra pessoa.

 

O Poder de Dizer “Prefiro Não”

Por outro lado, temos Bartleby, o escrivão, de Melville. Ele consegue um emprego de atendente e se recusa a realizar qualquer tarefa, respondendo sempre: “Prefiro não”.

 

Ele decide morar no próprio escritório e, em algum momento, prefere até mesmo parar de comer, como se carregasse uma verdade absoluta que escapava ao entendimento dos meros mortais. E quem poderia desaconselhá-lo? Ele seguiu seus próprios passos. Por mais que sua decisão fosse dissonante do que a sociedade espera, foi muito mais livre e autêntico do que Ivan Ilitch.

 

Ou pense no homem do subsolo, de Dostoiévski — um sujeito miserável que propositalmente se recusava a ir ao médico, preferindo que seu fígado doesse como forma de vingança contra a sociedade. Ao mesmo tempo em que se orgulhava, submetia-se ao escárnio dos colegas de repartição e fazia questão de dizer a todos que seu salário era menor que o deles.

 

Ele flertava com a misantropia, mas ninguém pode negar que viveu de maneira autêntica. E, nisso, residia sua sabedoria.

 

Os Profetas da Terra

Nós, que escolhemos errar com as próprias pernas, somos os profetas da vida e da terra. Não tentamos gozar com o pau dos outros.

 

Compramos a aposta de Pascal, mas na direção oposta. Pascal argumentava que era melhor acreditar na vida eterna porque, se estivesse certo, desfrutaria de uma glória infinita. Se estivesse errado, ao menos teria vivido com essa esperança.

 

Mas quem aposta no além desperdiça a única vida que tem. A eternidade só pode existir aqui e agora. Está no amor verdadeiro, em estar presente, em viver intensamente ao lado de quem se ama. Quando o tempo se suspende e experimentamos esse momento absoluto, essa é a única eternidade real.

 

A filosofia do carpe diem prega que devemos aproveitar o dia ao máximo. Mas quem vive cada dia como se fosse o último, uma hora vai acertar.

 

O carpe diem só faz sentido se for uma escolha nossa. E se nos f*demos por essa escolha, ao menos foi com o nosso próprio cool.

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 01/04/2025
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