Sábio conselho do Argônio no título acima. Mas, pensando bem, ele me parece paradoxal. Afinal, o médico trata doentes e, ironicamente, os médicos, em sua maioria, são doentes. Eu trabalho com eles. Eu os conheço.
Você já leu O Alienista, de Machado de Assis? Os médicos, certamente, não. No conto, Bacamarte monta um manicômio e, no final, percebe que todos na cidade poderiam ser diagnosticados com algum transtorno — até concluir que o verdadeiro doente era ele mesmo. Assim são os médicos.
Eles pertencem a uma classe intermediária, nem plebe nem elite. Não são capitalistas burgueses, tampouco intelectuais ou artistas. São pequenos burgueses, sem pedigree. Sabem muito sobre um único assunto e ignoram todo o resto. E quanto mais especialistas se tornam, mais ignorantes ficam. Nietzsche os chamaria de “consciênciosos do conhecimento” — ou, simplesmente, meias-inteligências.
Ainda assim, são necessários. Curam, salvam vidas, são super-heróis. Mas heróis ignorantes da única inteligência que importa: aquela que ilumina a vida, a ética no sentido grego, a busca pela vida boa.
O cinema já escancarou a ignorância da burguesia em O Discreto Charme da Burguesia, de Buñuel; A Doce Vida, de Fellini; a trilogia da incomunicabilidade de Antonioni; e, mais recentemente, nos filmes mordazes de Ruben Östlund. Mas o médico é ainda pior que o burguês típico, porque ele é um burguês proletário. Um instrumento do capital.
Alguns, para sobreviver, atendem pacientes como se estivessem numa linha de produção em Tempos Modernos. Falta-lhes gosto, falta-lhes cultivo de si. São ferreiros de espeto de pau: falam de saúde, mas não têm saúde. Não cuidam do corpo, não praticam exercícios, têm uma barriga maior que o próprio ego, que já não lhes permite enxergar o próprio pinto no banho.
São pessoas que se impõem pelo título, não pelo conhecimento. Vivem em bolhas, num sistema de inputs e outputs que apenas retroalimenta ilusões. Levam vidas banais, como Ivan Ilitch, vidas confortáveis, mas estéreis.
Eis a personificação desse vazio: a médica que me bloqueou. Sem personalidade. Seu perfil no Instagram deixa claro que antes ela exibia o corpo — porque, sabidamente, não tinha conteúdo. Convenhamos, o corpo era bem trabalhado, crossfiteiro, mas depois se largou. Típico de quem vai na onda.
Lembra da Carla Zambelli? Que protestava de peitos de fora e, anos depois, virou conservadora para ser aceita num grupelho qualquer? O mesmo fenômeno. Gente sem identidade própria, sem brilho. A medicina, para essa “doutora”, foi apenas uma muleta.
Ela negou a própria liberdade. Entrou em má-fé, como diria Sartre. Agora, não é mais uma pessoa. É uma especialidade médica. Gestos exagerados, caricaturais. Interpreta o papel de pediatra como um garçom que se esforça para parecer garçom. Seus passos, seus gestos, tudo é mecânico. Ela não existe mais. Tornou-se um estereótipo ridículo.
Mas, afinal, o que é saúde?
Se o médico é a doença, o que seria a saúde?
Gilles Deleuze diz que a literatura é uma forma de saúde. Hans Castorp, em A Montanha Mágica, em contraste com ambiente de morte de um sanatório, foge dela em busca de saúde no amor, no ócio criativo, no dolce far niente. A cultura é um caminho para a saúde. O tempo livre, a contemplação, a fruição da beleza.
O médico trata da doença, mas é o mais doente.
Então, se não encontrei ninguém na área da saúde, procurarei na área da doença. Ou, melhor dizendo, continuarei buscando aquela que amo. Ela é médica. E, pelo rumo que está tomando, logo será só mais uma doença.