Um bicho terrível, uma disfunção incategorizada pela biologia darwinista, uma metamorfose absurda, talvez kafkiana, pousou no meu pescoço. Assustou-se com minha virilidade abrupta (grito) e saiu de rompente, mas o bicho asqueroso fez de rogado e não foi embora, ficou estúpido e patético, me observando imóvel no ventilador, como para me provocar. Quem era mais forte? O inseto ou o homem? Quem está no topo da hierarquia do universo, afinal?
Minha companheira de trabalho abandonou o barco e se pôs em fuga. Era eu e o bicho, numa batalha que poderia sugerir o velho mar de Hemingway, travado entre o homem e um peixe. Ou Moby Dick, de Melville, onde o homem tem que superar para desafiar a natureza. E lá estava eu, com o meu adversário ignóbil e terrível.
Veja bem, a covardia não está em fugir de um adversário mais forte, que pode te destruir – isso é burrice. Covardia é ser valente contra os mais fracos. Eu não iria desafiar aquele bicho, sem categoria, que eu não sabia de onde vinha, por onde andou. Será que ele tinha andado picando algum bolsonarista reaça e queria me picar também, passando esse vírus da ignorância para mim? Melhor fugir.
Se ele soubesse falar, tivesse linguagem e fosse versado em filosofia, talvez eu usasse dialética socrática e argumentos kantianos para convencê-lo de que era melhor para nós dois ele ir embora e me deixar ali, em paz, exercendo minhas funções. Mas como ele só sabia emitir zumbidos, preferi a fuga.
Sai da sala como Ricardo III, no último ato de Shakespeare, pedindo um cavalo para salvar seu reino. Mas no meu caso, era um homem capaz de enfrentar o bicho nojento: um homem.
Um homem, minha sala da regulação por um homem.
Um homem, meu cargo na prefeitura por um homem.
Ou meu desespero talvez se assemelhasse ao do homem louco de Nietzsche, que, em plena luz do dia, saiu com uma lanterna na rua gritando:
“Procuro Deus, procuro Deus!” No meu caso, eu procurava um homem.
Mas o homem não apareceu.
E, por minha sorte, quando voltei, talvez o bicho tenha absorvido meu conhecimento por osmose, ou me picou ao pousar no meu pescoço e entendeu o conceito de intuição de Bergson. Compreendeu que era melhor se retirar. E partiu.
Esse caso me leva a uma questão maior: o que é ser homem? Certamente, não se trata apenas de matar um inseto. Nem mesmo aqueles que sustentam a família, são pais exemplares e nunca bateram em suas esposas podem ser automaticamente considerados “homens” no sentido pleno da palavra. Isso é o mínimo. Isso significa ser um ser humano, não um homem.
Ser homem não é se esconder atrás do signo da família e da religião, não é votar no Bolsonaro e, ao mesmo tempo, trair, bater na esposa, agredir ou até abusar dos filhos. Ser homem é ir além do básico. É saber do mandamento “Conhece-te a ti mesmo”.
Por isso, não confrontei o bicho. Gugu, por exemplo, descumpriu esse princípio da sabedoria: foi tentar subir uma escada, bateu a cabeça e morreu estupidamente.
Ser homem é seguir seus próprios caminhos com convicção e determinação, sem ser influenciado por outrem. Como diz Zaratustra:
“Antes ser louco por seu próprio critério do que sábio segundo a opinião dos outros!”
Por isso, eu sigo até o fundo. Nietzsche também se preocupava com a ideia de um homem completo, não apenas um pela metade, que sabe muito sobre um assunto e ignora todo o resto, sem visão abrangente. Em Assim Falou Zaratustra, ele expressa essa crítica na fala de um consciencioso, que sabia só de um assunto e se arrependia por isso:
“A minha consciência intelectual exige-me que saiba uma coisa e ignore o restante: estou farto de todas as meias-inteligências, de todos os nebulosos, flutuantes e visionários.”
A verdadeira inteligência, segundo ele, é aquela que ilumina a própria vida.
Dizem que, por trás de um grande homem, sempre há uma grande mulher. Se sou um grande homem, ainda não sei, mas por trás de mim há grandes mulheres: minha mãe e a pessoa que amo, que me inspiram a ser minha melhor versão a cada dia.
Mas o casamento e a rotina trazem uma questão: a acomodação. Há homens que se desgastam tanto com a vida que, mesmo sem ninguém, não se preocupam consigo mesmos—com sua imagem, com seu conhecimento, com seu próprio amor-próprio. Como esperam que alguém os ame, se nem eles se amam?
É a regata furada, a camiseta encardida, a barriga saliente, a barba malfeita. Tudo sinais de desleixo.
Tautologicamente, um homem significa tudo aquilo que eu neguei até aqui, tudo que um homem não é.
E o que me deixa abismado é como algumas mulheres se contentam em ficar com esses homens. Dizem que mulher, quando quer dar, não passa vontade. Mas eu pergunto: dar para quem?
Será que é para um homem de verdade ou para um desses que só tem um pinto, mas não tem a essência de um homem?
Porque, no fim, talvez ela não tenha dado para ninguém.