A diferença fundamental é que um texto grande pode ser um grande texto, mas um “textão” NUNCA pode sê-lo.
Um texto grande não se define apenas pelo volume, pelo número de páginas ou de caracteres, mas pelo conteúdo e pela qualidade.
Uma comédia humana de Balzac, Os Irmãos Karamázov, Em Busca do Tempo Perdido, As Benevolentes, de Jonathan Littell, e Anna Kariênina são obras que ultrapassam mil páginas. São grandes textos, grandes obras, tanto em extensão quanto em conteúdo. São atemporais. A grandiosidade não está no tamanho da obra, mas na profundidade da mensagem.
Talvez o livro que mais li seja Assim Falou Zaratustra. Ele tem pouco mais de 300 páginas, um tamanho mediano, mas já perdi a conta de quantas vezes voltei a ele—e talvez nem tenha chegado ao fim. Mas isso pouco importa, porque não há um final propriamente dito. O que importa é o que se faz com o conteúdo. Nietzsche dizia que seus livros não são para serem lidos, mas ruminados, como o capim.
Para mim, Zaratustra é como a Bíblia para os cristãos. Não porque seu conteúdo tenha para mim o caráter sagrado que a Bíblia tem para eles, mas pela familiaridade com que manuseio o livro. Há cristãos que conhecem os versículos de cor, que abrem a Bíblia mais ou menos na página que desejam, que recitam trechos sem esforço. Tenho essa mesma intimidade com a obra de Nietzsche. E O Pequeno Príncipe, por outro lado, é um livro curto com uma mensagem grandiosa. Assim como uma pequena peça de Shakespeare. Ou O Estrangeiro. Ou O Rinoceronte. E tantos outros exemplos…
Os textos que publico no Recanto das Letras são longos, mas não intermináveis. Levam cerca de quatro minutos para serem lidos. São densos, podem ser considerados “chatos” por alguns, mas faço questão de torná-los acessíveis e envolventes. Sei que o público costuma ser preguiçoso, então uso uma linguagem clara, antiacadêmica. Escolho fontes e caracteres legíveis, parágrafos curtos, frases diretas. Divido os textos com títulos e subtítulos para que ninguém se sinta desestimulado.
Ainda assim, ouço que meu conteúdo é “chato”. Mas há um limite para o que posso fazer. Eu escrevo. Eu preparo o prato. Mas mastigar e saborear cabe ao leitor. Um chef entende de gastronomia, mas nem todo cliente é crítico gastronômico. Pelo contrário—muita gente tem um paladar pouco refinado para a minha comida e não sabe apreciá-la. E, no fim das contas, conteúdo não é pastel que fica pronto em dois minutos.
E eu não produzo pratos segundo o gosto do cliente; não é ele quem escolhe à la carte. Como dizia Nietzsche, o povo não sabe reconhecer as grandes coisas sem que alguém as anuncie antes.
Ford afirmava que, se tivesse feito uma pesquisa na época sobre o que as pessoas queriam, elas teriam respondido: “um cavalo mais rápido” — e o carro nunca teria sido inventado.
Eu não sigo tendências; crio o novo, produzo o inédito. Cabe ao leitor de bom gosto apreciar.
A crítica no trabalho começou com uma simples brincadeira em um grupo de WhatsApp. Alguém postou a foto de um sujeito no Complexo com o papel de parede do Lula. O cara era bolsonarista até os ossos, e logo alguém comentou que aquilo só podia ser um vírus. Entrei na brincadeira e disse que, se fosse uma foto do Bolsonaro, o PC teria dado pau e aparecido uma tela azul. Foi o suficiente para ele disparar que “aquele grupo era de trabalho, não de brincadeira”.
Respondi que as relações de trabalho fazem parte do próprio processo de produção do trabalho. A dinâmica de um grupo de WhatsApp é um microcosmo que reflete o macro da sociedade, com sua diversidade de opiniões. Não estamos mais no fordismo de Tempos Modernos, do Chaplin. É óbvio que o grupo refletiria essas interações, e isso é positivo para a relação entre os membros. Afinal, será que precisamos de um grupo para cada coisa? Um só para trabalho, outro para política, outro para compras, outro para BBB? Quantos grupos são necessários para segmentar artificialmente nossas vidas?
Mas, claro, o problema não era a “desvirtuação” do grupo—estava tudo bem até eu cutucar o “mito”. Aí a coisa mudou de figura. Eles não sabiam com quem estavam falando. Sou low profile, mas não me chamem para o debate se não querem cutucar a onça com vara curta. O resultado? Todo mundo elogiando minha argumentação, dizendo que o cara tentou me dar uma lição de moral e acabou se dando mal. Mas os bolsonaristas do grupo agora tentam me cutucar com indiretas, figurinhas prontas, porque, afinal, não sabem escrever nem produzir algo original.
A cereja do bolo? Me apelidaram de “Cortela”, na tentativa de transformar isso em um insulto. Esse é o retrato da mediocridade dos tempos atuais. Professoral virou pejorativo. Mas professoral vem de professor, e professor é quem ensina. Logo, é algo bom. Só que a sociedade ignorante transforma o conhecimento em motivo de deboche. Nietzsche já analisava isso: os medíocres, por não conseguirem criar, nivelam tudo pela régua da própria mediocridade. Quem se destaca é visto como ameaça ao rebanho. Como ovelhas ressentidas, recorrem a ataques passivo-agressivos, indiretas e ironias vazias.
No fim das contas, é sempre a mesma inversão de valores. A ignorância deles vira norma. A mediocridade vira virtude. Todo mundo ser burro é motivo de orgulho. Mas basta um discurso um pouco mais sofisticado para virem os rótulos: “pedante”, “arrogante”, “metido a filósofo”, “Cortelinha”, “professoral”. É puro recalque.
E aí entra a falsa moralidade. A cultura da lacração. A tentativa de dar lição de moral com textão de WhatsApp ou Facebook, sempre raso, sem substância. Exemplo? No Dia da Mulher, várias colegas postaram fotos dançando e se divertindo no grupo de trabalho. Estavam lá, brilhando, mas também trabalhando na campanha do posto. E o que o sujeito que antes defendia a “seriedade do grupo” fez? Disse que esse grupo tinha que acabar.
Esse é o tipo de ignorância que tenta se travestir de moralidade. Querem bancar os juízes, mas, no fim, não passam de lacradores sem profundidade alguma.