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DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos

EU GOSTO DO VERBO “COMER”.

A gramática do sexo não admite formalismos—ela é coloquial. Na linguagem da transa, entre quatro paredes, não há lugar para discussões de classe ou gênero, mas sim para entendimento mútuo, um acordo de paz selado entre sussurros e gemidos, gritos de excitação cujo pacto se firma nos líquidos expelidos entre os amantes. Na hora da metida, é o tesão que dita o ritmo da eloquência. As palavras ditas no êxtase não passam pelo crivo da razão, não há cálculo, só entrega.

 

Há algo de mágico na linguagem que rompe barreiras das convenções linguísticas para melhor expressar o momento de êxtase e prazer. “Sua puta” deixa de ser xingamento e vira elogio nesse instante íntimo e delirante.

 

As palavras ditas no êxtase não passam pelo filtro da razão—não há cálculo, só entrega. Sei que, anatomicamente, o movimento sexual é melhor descrito como sendo a mulher quem come o homem—ela devora, ingere, absorve o órgão masculino.

 

Mas o verbo “comer” traz consigo um simbolismo antropofágico. Além do ato em si, comer é absorver o outro, devorá-lo por inteiro—suas referências, sua visão de mundo—e transformá-lo em uma síntese dialética de algo novo. O orgasmo como explosão de um novo pensamento, o esperma como líquido que gera vida, símbolo de prazer e fertilidade, de novas ideias e descobertas.

 

Não castrem o desejo. Eu desejo comer quem amo, quem admiro, torná-la parte de mim. Claro, desde que seja do sexo oposto. Essa dialética do desejo exige dualidade, opostos que se atraem pelo fogo do desejo sexual, que se unem como as esferas perfeitas do mito dos andróginos, narrado por Aristófanes em O Banquete de Platão.

 

Eu quero comer até minhas amigas. Por que não? Elas sabem da minha interpretação livre, do meu aforismo descartiano: “Admiro, logo como.”

 

Gosto dessa amizade carregada de uma tensão sexual constante, desse jogo entre o compromisso afetivo, o carinho, a ternura, a troca de experiências e a corrupção total—o desejo irreversível de se perder. Onde um único momento de hesitação pode significar a derrocada da amizade para algo maior, mais íntimo, puro deleite. E, no dia seguinte, fingimos que nada aconteceu. Continuamos amigos, num entendimento tácito, mas agora mais unidos pelo corpo.


O verbo comer é um jogo de palavras, uma insinuação velada, um pretexto gastronômico para um jogo erótico. A troca de significados sexualiza a conversa, disfarça intenções. Sim, estou com fome, faminto. “Adoro comer.” “Senti vontade de comer algo diferente hoje, experimentar um novo sabor” . ”Quero comer alguma coisa.” “O que você gosta de comer?” . “O que você quer comer?” .O que você sentiu vontade de comer, posso saber?” .

 

Comer o outro é conhecê-lo melhor, fazê-lo parte de você. Já não dizia a música que “comer, comer, é o melhor para poder crescer”? Comer faz crescer o conhecimento. O verbo “comer” faz crescer o meu desejo.

 

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 04/03/2025
Alterado em 04/03/2025
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