Nietzsche compara as pessoas de perfil reativo às moscas do mercado: são muitas, farejam o sangue nobre e picam. Ele aconselha os fortes e nobres a fugirem do barulho do mercado e se recolherem ao silêncio e à solidão. Afinal, não é seu destino espantar moscas. Elas são pequenas, mas numerosas. E quantos edifícios não sucumbiram às pequenas gotas de chuva?
Grandes homens atraem essas moscas do povo, e é nesse momento que surgem os coaches, gurus, pregadores da morte, profetas de realidades supraterrenas. São os que já se cansaram desta existência e querem buscar refúgio em mundos inexistentes – nirvana, Shangri-lá, paraíso… ou seja lá qual for o nome que dão à sua fuga. Como o povo, essas moscas não entendem a grandeza e precisam de alguém que lhes forneça valores prontos para mastigar.
O perfil psicológico passivo-agressivo é como essas moscas: pequenas picadas tentando ferir. Se mostram bondosas, puras, mas, na prática, só interagem com quem pensa igual. Querem manter o status quo, amar o vizinho apenas enquanto ele está distante. Pregam a bondade, mas, na primeira ameaça ao seu conforto, revelam a hipocrisia. Defendem os oprimidos, mas desde que não atravessem seu quintal, não se envolvam com suas filhas, não concorram a seus empregos. O que fazem? Expulsam antes que aconteça. E assim exercem sua bondade.
Esse perfil é personificado por Hannah e sua relação com a irmã no filme Hannah e Suas Irmãs (1986), de Woody Allen. Através da “bondade” e da “preocupação”, ela controla, humilha e ataca com sutileza. Ajuda financeiramente, mas apenas porque não lhe faz falta – e porque pode usar isso para estabelecer poder e superioridade moral.
O passivo-agressivo não sabe lidar com críticas. Quer esterilizar sua vida para não ter que encarar a miséria, o sofrimento, a pobreza. Quer paz e conforto, um mundo sem atrito. Se uma opinião diverge da sua, bloqueia. Não aceita o contraditório. Mas o que realmente não tolera é ver alguém melhor triunfar – especialmente se essa pessoa vem de uma camada mais baixa. Isso desperta seu ódio latente, que então se expressa em pequenas indiretas. O passivo-agressivo não suporta encarar quem o supera, porque isso lhe lembra da própria mediocridade. Por isso, se refugia entre iguais, evitando qualquer confronto com a realidade.
E então, não é surpresa ver esses mesmos indivíduos, que se julgam os “bons”, se apoiando no tripé Deus, Pátria e Família. Interagem com intolerantes, curtem postagens elogiando ditaduras, ridicularizando políticas sociais. A máscara cai quando comemoram ataques a figuras como Paulo Freire – ironicamente, se tivessem sido alfabetizados por seu método, não seriam apenas repetidores de fórmulas, mas teriam autonomia no pensamento.
Quem confia em si não precisa filtrar comentários, excluir opiniões contrárias, interagir apenas com os próprios pares em grupinhos fechados. Eu, por exemplo, nunca apaguei um comentário, nunca bloqueei ninguém. Confio no meu poder de argumentação, na força das minhas palavras. Para mim, ridicularizar o oponente com argumentos é muito mais satisfatório do que silenciá-lo covardemente.
Eles nos perdoam por nossos erros, mas nunca nos perdoam por voarmos acima de suas cabeças pequenas. Nossa altitude se tornou grande demais para suas pernas curtas.
E já que se julgam os “homens bons”, deixo aqui um poema de Bertolt Brecht para vocês:
Chega mais:
Nós ouvimos
Que você é um homem de bem.
Você não é comprável, mas o raio
Que cai em cima da casa, também
Não é comprável.
O que você diz uma vez, você mantém.
O que você disse?
Você é honesto, você diz sua opinião.
Que opinião?
Você é corajoso.
Contra quem?
Você é sábio.
Para quem?
Você não quer tirar vantagem.
Vantagem de quem?
Você é um bom amigo.
De gente de bem também?
Então ouça: Nós sabemos
Você é nosso inimigo. Por isso queremos
O colocar agora no paredão. Mas em
Consideração a seus méritos
E boas qualidades
Num bom paredão e o fuzilar com
Boas balas de bons fuzis e o
Enterrar com
Uma boa pá em boa terra.