Sobre o clima do Oscar, me aproveito do pretexto ideal para falar do assunto que mais me dá prazer: a sétima arte. Me deem espaço no salão literário do Recanto das Letras para que eu possa dançar livremente, porque é aqui que eu brilho.
A técnica do cinema e as narrativas existem para melhor contar uma história audiovisual. E é papel do diretor, que é o administrador do filme, escolher a melhor forma de narrá-la para que seja mais compreendida, mais bela e artisticamente impactante. Nesse ponto, seu trabalho se assemelha ao de um escritor. Dirigir um filme é tomar decisões. E a melhor escola para dirigir é assistir a muitos filmes e registrar impressões cinematográficas.
É claro que há grandes diretores acadêmicos que estudaram cinema, como Martin Scorsese e Peter Bogdanovich, em Nova York; Francis Ford Coppola e George Lucas, na USC; Michael Haneke, que deu aulas de cinema; e Roman Polanski, conhecido por dominar as técnicas de filmagem melhor do que muitos dos próprios técnicos, como os diretores de fotografia. Lars von Trier e Gaspar Noé, ambos formados em cinema, gostam de operar a câmera eles mesmos, mostrando sua total imersão no processo criativo.
Eu, pela minha experiência adquirida no cinema e em incontáveis horas de filmes, me sinto completamente confortável em dizer que poderia dirigir um filme. Não apenas pelo conhecimento cinéfilo acumulado ao longo da vida, mas também pela experiência de ter sido empreendedor, chefe de um setor, ter estudado administração e gestão da qualidade. Assim como o diretor, o administrador e o empreendedor tomam decisões fundamentais para a obra — desde a criação conceitual dos serviços da empresa, passando pelo planejamento estratégico, identidade visual e locação, até o plano de negócios — o que poderia ser comparado ao roteiro de um filme.
A história mostra que também houve grandes diretores que não tiveram formação acadêmica em cinema, mas começaram como críticos e, depois, tornaram-se cineastas consagrados. François Truffaut e Jean-Luc Godard foram críticos na Cahiers du Cinéma antes de realizarem suas estreias arrebatadoras com Os Incompreendidos (1959) e Acossado (1960), respectivamente. Quentin Tarantino era apenas um cinéfilo inveterado antes de se tornar um dos diretores mais influentes de sua geração. Paul Thomas Anderson, autodidata, construiu uma filmografia densa e sofisticada sem uma formação acadêmica tradicional.
Eu já assisti a tantos filmes que seria incapaz de fazer um filme ruim. Não sou ator, mas sei reconhecer uma boa atuação. Sei o que é uma boa mise-en-scène. E contaria com técnicos especializados para me auxiliar em fotografia, música e figurino, mas, como diretor-regente — termo utilizado na Itália para definir a centralidade do diretor na obra —, tudo passaria pelo meu crivo, e eu não deixaria nada abaixo do padrão de qualidade.
Veja bem, digo que poderia ser diretor e faria um bom filme de estreia, assim como Truffaut e Godard. Mas não seria um auteur, um roteirista — isso é algo além. Esses são seres supremos que, além de dirigir, criam e moldam sua arte de maneira singular. Como Lars von Trier, Gaspar Noé, David Lynch, Wim Wenders, o próprio Tarantino, Woody Allen e Paul Thomas Anderson.
Não, eu poderia ser um Coppola, um Sidney Lumet, um Scorsese — mas não um Pasolini, um Fassbinder, um Tornatore.
Passa pelas mãos do diretor a decisão dos planos que serão usados, do close ao método narrativo. E aqui falemos da prática. A gente critica produções de ação, mas vai dirigir uma boa cena de ação sem a escora da inteligência artificial? Godard, por exemplo, é um grande diretor, mas ele não saberia filmar cenas de ação, apesar de escrever com a câmera, fazer poesia com a câmera. Veja, por exemplo, a cena do acidente de carro em O Desprezo (1963). Godard, para não ter que filmar o acidente, recorre a uma elipse: ele narra o acontecimento, corta a cena e depois já mostra o carro destruído. Não há ação, apenas sugestão.
Eles aprenderam isso com Roberto Rossellini. Truffaut dizia que, quando estava em dúvida sobre como filmar algo, se perguntava: “O que Rossellini faria no meu lugar?”— e a resposta vinha quase divinamente. Rossellini narrava coisas grandiosas, como guerras, que na prática exigiriam centenas de figurantes, mas sua abordagem era modesta. Ele mostrava a guerra sem mostrar a guerra, usando a técnica da narração e da sugestão.
Por isso, há méritos em cineastas como Michael Mann, que em Fogo Contra Fogo (1995) dirigiu a sequência de tiroteio mais marcante do cinema moderno. Ou William Friedkin, que em Operação França (1971) entregou uma perseguição de carro antológica. Friedkin, aliás, era conhecido por seus métodos pouco ortodoxos para extrair a melhor atuação dos atores—como quando disparou um tiro no set de O Exorcista (1973) para arrancar um susto genuíno do elenco.
E há diretores que conseguem equilibrar a arte com a ação, como Scorsese, Coppola, Sidney Lumet, Spielberg, Kubrick.
Falando em técnicas narrativas e nas características de cineastas, por exemplo, Wes Anderson. Seus filmes, visualmente fabulosos, são marcados por planos abertos e simétricos. Ele gosta de usar uma técnica conhecida como plongée, que é quando a câmera é posicionada para baixo, muitas vezes para mostrar objetos ou criar uma sensação de distanciamento. O contre-plongée, por sua vez, é o oposto, quando a câmera é vista de baixo para cima. Um exemplo clássico disso é numa execução, onde a câmera foca no autor do disparo, olhando o corpo desfalecido da vítima, para transmitir a sensação de poder.
Além disso, há filmes que parecem mais peças de teatro, com planos abertos e estáticos, remetendo à teatralidade, como em O Pombo Pousou no Galho Refletindo Sobre a Existência (que reflete na existência de forma filosófica). Ou filmes que acontecem quase inteiramente em uma única locação, como Doze Homens e uma Sentença (1957), de Sidney Lumet, ou Deus da Carnificina (2011), de Roman Polanski. Alguns cineastas, como Lars von Trier, vão ainda mais longe e criam filmes sem cenários reais, como em Dogville (2003) e Manderlay (2005), onde o espaço é sugerido de formas inovadoras.
Um dos recursos mais impressionantes no cinema é o plano sequência, que consiste em uma única tomada sem cortes, onde cada movimento e gesto são ensaiados e meticulosamente coreografados. Um exemplo icônico disso é a cena inicial de A Marca da Maldade (1958), de Orson Welles, onde a câmera acompanha um personagem desde a implantação da bomba no carro até sua explosão, sem cortes visíveis. Em Boogie Nights (1997), de Paul Thomas Anderson, a câmera segue por um clube noturno sem interrupções. Rope (1948), de Alfred Hitchcock, é uma obra-prima do plano sequência, filmada praticamente inteira sem cortes. Birdman (2014), de Alejandro González Iñárritu, abusa do recurso, não apenas como uma demonstração técnica, mas também para servir à narrativa de maneira impressionante, mostrando a complexidade do trabalho por trás da ilusão de continuidade.
E também podemos destacar a luta coreografada no excelente filme Oldboy (2003), do diretor sul-coreano Park Chan-wook. Embora não seja exatamente uma sequência filmada em um único plano, a luta no corredor, com inimigos saindo de um elevador, é uma das cenas de ação mais intensas e marcantes, e é muito apreciada por cineastas como Quentin Tarantino.
No filme Weekend à Francesa, Godard usa tanto o plano aberto para mostrar o congestionamento quanto o plano-sequência, além de outra técnica essencial: o travelling, em que a câmera é posicionada sobre trilhos para criar uma sensação de movimento. Kubrick, por exemplo, usa essa técnica com maestria em Nascido para Matar (1987).
Os closes mais fechados também têm seu espaço. Sergio Leone os adorava em seus westerns spaghetti, destacando os rostos sujos e maltrapilhos de seus vilões. Em Três Homens em Conflito (1966), nos primeiros 20 minutos não há um único diálogo, mas a câmera de Leone vai contando a história sem precisar de palavras.
Já Darren Aronofsky emprega uma montagem frenética, cheia de closes, para criar sensações viscerais em filmes como Pi (1998), Cisne Negro (2010) e Réquiem para um Sonho (2000). Sua edição é crucial para simular os efeitos das drogas, mostrando pupilas dilatadas e cortes acelerados que mergulham o espectador na psicose dos personagens.
E o que dizer da proeza técnica de Gaspar Noé em Enter the Void (2009)? Noé cria um plano-sequência hipnótico que simula a alma deixando o corpo, com a câmera onipresente sobrevoando os prédios de Tóquio e sondando a intimidade dos motéis, como um olho que tudo vê. A cena, repleta de sexo explícito, possui um rigor técnico e uma beleza ao mesmo tempo visceral, que sintetiza a essência do cinema. Não é à toa que o nome de Noé aparece bem grande na minha camiseta que usei domingo, estampado ao lado de outros grandes cineastas.