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DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos

Que horas está prevista para esse amor passar?

 

“Se morro de amor,

todos ignoram e negam.

O próprio amor se desconhece e maltrata.

 

O próprio amor se esconde,

ao jeito dos bichos caçados;

não está certo de ser amor.

 

Há tanto lavou a memória

das impurezas de barro e folha

em que repousava.

 

E resta, perdida no ar,

para que melhor se conserve,

uma particular tristeza

a imprimir seu selo nas nuvens.

 

(Tarde de Maio – Drummond)

 

Perguntei ao fiscal que habita meu coração que horas está prevista a partida desse amor. Ele já acumula um atraso de mais de nove anos, enquanto eu continuo esperando no ponto, congelado, nesse inverno interminável. Perguntei a previsão para ele ir embora como quem pergunta à Enel quando acaba a luz e a que horas ela volta. Mas, da mesma forma que a Enel é única e exclusiva portadora de luz em São Paulo, uma só pessoa é dona do meu coração e do meu amor.

 

Mas estou cansando de esperar. Já estou com frio, sem roupas adequadas para me agasalhar nesse inverno rigoroso e árido que é o nosso amor. Minhas mãos estão geladas, meus dentes tiritando de frio—só o coração permanece quente e aceso. Afinal, até mesmo o tempo, que é o pai de todas as esperanças, também se cansa de esperar. E, ao esperar, recebi o aviso da instituição fria da polícia e dos advogados. Embora inverno, passaram com o carro na poça d’água, e agora, além do frio, estou encharcado e vazio, porque minha lareira portátil—que era ver as fotos de quem amo—foi suprimida de mim. As cartas que ela escreveu já estão velhas e desgastadas pelo tempo, e a água da chuva acabou por destruí-las e deteriorá-las de vez.

 

Eu quero que esse amor passe. Aqui no inverno, vejo os pássaros na nevasca, que camuflam suas penas de branco para se assemelhar a cisnes. Mas, se soubessem assim como eu, entenderiam que são belos mesmo sem imitar ninguém. A boa notícia é que, com a primavera, virá o degelo e as flores florescerão. Trarei uma linda orquídea branca no meu paletó, compondo um look monocromático bege, com uma elegância digna de um filme de Wes Anderson. Essa flor rara e bela, que cresce mesmo nos ambientes mais inóspitos, me lembra a beleza que carrego aqui dentro—e que já não necessita desse frio, desse amor gelado, para sobreviver.

 

E depois da primavera, virá o verão. E então já nem me lembrarei que um dia passei frio esperando um amor que não vinha. Estarei livre, desfrutando da minha liberdade sob o calor tórrido desta estação quente e dos novos amores—em contraste com a frieza de um amor que, enfim, se desfez em gelo derretido.

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 03/03/2025
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