Ferdinand, o personagem de Pierrot le Fou, de Godard, ao fugir com Marianne—antecipando Bonnie & Clyde anos antes de Arthur Penn e abandonando a vida de luxo para viver dromomaniacamente—sentencia para sua amante: a literatura deve ter primazia sobre a música. A cada dez livros, você pode escolher cinco discos.
Na verdade, o filme é uma ode à poesia em movimento, um beijo na boca da cultura, um afago nos cabelos da arte, um brinde à juventude e aos espíritos livres.
E como Ferdinand, eu setencio: escrever tem primazia sobre a leitura. Mas a matéria-prima da escrita e do pensamento é a linguagem, enriquecida pelos livros. Então, um anda lado a lado com o outro.
A explosão do ponto final do texto—ou melhor, o instante em que clico para publicá-lo—se assemelha ao clímax, ao gol no futebol. Não digo que é um Deyverson roubando a bola de Andreas Pereira no Uruguai, nos instantes finais da Libertadores, e fazendo o gol da vitória—isso, sim, é melhor que um orgasmo. Mas a conclusão de um texto, o orgulho de vê-lo pronto, é como conseguir o orgasmo da parceira.
Se eu soubesse do prazer onanístico, solipsista e afrodisíaco da escrita, não teria gastado tanto dinheiro em cocaína. E quanto já não gastei… Se Deus tivesse distribuído todo o pó existente na história do mundo em partes iguais para os viventes atuais, eu já teria usado a minha parte faz tempo—e a sua também, digamos assim, em termos de quantidade. Já cheirei um apartamento em São Paulo e, talvez, um carro confortável, quase de luxo.
E escrever é mais saudável. É terapia. Mais eficaz, mais barata—não pago psicanalista. Exorcizo meus fantasmas, tiro os esqueletos do armário. Leminski dizia que, se houvesse um problema na sua psique que ele mesmo não resolvesse, não veria mal em procurar um médico da alma. Pois eu encontro esse médico na escrita! E escrever é o orgasmo da alma que transborda e quer jorrar. Tem gente que, ao escrever, só ejacula ódio e ressentimento—e, graças a Deus, são áridos, latifundiários de pensamento, não legam a ninguém sua pobreza, como Brás Cubas, que encerra suas Memórias Póstumas com a célebre frase: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.”
Eu, ao contrário, ejaculo fertilidade, engravidando meus leitores de conhecimento com meu conteúdo.