Após perder sua mulher por causa de uma discussão, o poeta Ferreira Gullar chegou à seguinte conclusão:
“Eu não quero ter razão, eu quero ser feliz.”
Isso mostra que discutir e insistir em ter razão não leva a nada—o que realmente importa é o consenso e a felicidade.
Eu, no entanto, vou contrariar a ideia do poeta. A felicidade é um valor exaltado pela pós-modernidade, assim como a paz, o conforto e a segurança.
Ora, esses bens são exatamente os que estruturam a sociedade do romance distópico Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, onde qualquer conflito era superado com o soma, a droga da felicidade.
Na sociedade imaginada por Huxley, todos são iguais e desejam as mesmas coisas. Os cidadãos são estratificados e divididos em castas, e qualquer individualidade é suprimida. O prazer é o bem maior e é incentivado desde a infância nos chamados “jogos eróticos”.
Ninguém pertence a ninguém; todos pertencem a todos. A utopia hippie perfeita que, com seu lema de “sexo, drogas, rock ‘n’ roll, paz e amor”, na verdade, mascarava um conformismo apático diante da vida e a ausência de valores mais profundos—paradoxalmente, a ausência de amor.
No romance de Huxley, não existem pai e mãe. Os indivíduos são criados em laboratórios, e o governo não apenas suprime essas palavras, como também as ridiculariza. Na sociedade do livro, são tratadas como tabu, como mitos obsoletos.
Essa é uma forma de controle pela linguagem—algo que a extrema direita boçal ao redor do mundo compreendeu muito bem.
E não dá para amar e ser feliz ao mesmo tempo. O amor pressupõe riscos, perdas, tristezas, incertezas.
O amor exige desejos não realizados, a inquietação com a ausência do outro e momentos de locupletação!
E contrariando Huxley…
O importante é ter razão, porque a felicidade é um gradiente. Ao longo dos dias, experimentamos estados de felicidade e êxtase—ela é um fluxo, não uma continuidade. Viver em busca dela como se fosse um ideal é idiotice, coisa de quem desconhece a vida e age como uma Poliana.
Aliás, como está voluptuosa a atriz que interpretava a Poliana, hein? Se fosse permitido, eu pegava. O que colocam na água dessas atrizes mirins para elas ficarem tão gostosas?
Então, viver pela felicidade é tão idiota quanto viver pelo prazer. Mas ter razão é a definição da essência do homem, que se expressa através da vontade de potência.
Schopenhauer a chamou de Vontade e escreveu o livro de filosofia que mais se aproxima da autoajuda: A Arte de Ter Razão.
Ora, quando tenho razão no meu discurso, na minha obra, quando consigo, através dela, fazer com que o mundo fique mais parecido comigo, com o que acredito, com a minha razão—é aí que minha vontade de potência se manifesta, e meu discurso e minha obra se tornam fortes.
A sociedade é dividida em microcosmos sociais, dos quais o macro faz parte. E a revolução hoje não se faz com sangue ou armas, mas com a razão, o discurso, a vontade de potência se manifestando.
E, sobretudo, com o poder do exemplo.
Quando, através dos meus textos combativos no Recanto das Letras, consigo transformar o espaço social e torná-lo mais parecido com o modelo ideal em que acredito, fui bem-sucedido—e essa é a importância da crítica.
Por exemplo, se, pelo exemplo da minha obra e da minha ação, consigo mexer com o brio das pessoas para que caprichem mais nos seus escritos, melhorem criativamente e, ao comentar, imitem meus gestos; se, nos seus textos, incorporam meus métodos discursivos, minhas palavras, minhas idiossincrasias e até o modo como me relaciono e deixo comentários; se, no fim, acabo até coibindo aqueles comentários lacônicos—ora, eu terei tornado a realidade da qual faço parte, que é o Recanto, mais parecida com a minha imagem e semelhança.
E esse é o método de Cristo. Ora, o que é o cristianismo senão agir como Jesus agiu?
Com sua influência, ele criou a religião mais potente de todas, interpretada por Paulo, que, dessa forma, também demonstrou sua vontade de potência.
É assim que devemos proceder: não buscando ser felizes, mas procurando ter razão para mudar nosso campo social, nosso microssocial—não pela revolução ou pela guerra, mas pelo poder da influência da nossa imagem.
Se, por minha influência, as pessoas começarem a ser mais cordiais umas com as outras, a se vestir melhor, a querer ler para ter conteúdo, a buscar conversas mais profundas, a assistir bons filmes e legendados—tudo isso apenas pelo poder de ter razão—então, essa será a revolução silenciosa de quem opera no cotidiano e sabe ser influente e fazer amigos.
Como aquele patético best-seller promete, mas a filosofia entrega.