Bom dia!
Sim, acordei agora! E não me julguem. Não foram vocês que passaram o dia inteiro ontem sob um calor de rachar em São Paulo — uns 40 graus — com uma placa pesada no pescoço anunciando “compro e vendo ouro”.
Às vezes, eu me resigno em dizer bom dia, porque nunca sabemos a hora exata em que uma pessoa vai ler nosso texto. Então, me contento em deixar apenas um: “Olá, terráqueos.”
Aliás, vocês já pararam para pensar na quantidade de pessoas que estão entrando na internet hoje pela primeira vez? E talvez, justamente na primeira visita, deem de cara com um texto meu. Imagino que deva ser a mesma experiência de um primeiro sexo anal… sem vaselina. Então, para essas almas novatas, deixo aqui meu salve: “Sejam bem-vindas à internet, pessoal!” Aqui vocês encontram esse tipo de texto que estão lendo agora, mas também muita coisa boa. Juro!
E depois desse preâmbulo sarrístico, vamos à pergunta do dia:
Você já se arrependeu de algo que escreveu aqui, depois de publicado?
E talvez eu já me arrependa dessa introdução que fiz, mas quem nunca escreveu algo e depois se questionou?
Quem nunca mandou aquela mensagem alterada para o crush de madrugada, balbuciando um “apesar de tudo, ainda te abô, meu abor”? As palavras, uma vez ditas, não recuam no tempo. E têm o poder de machucar mais do que um golpe.
Deve ter sido pensando nisso que o webmaster do Recanto das Letras adicionou a opção de excluir textos.
No calor do momento, é fácil perder o controle, dizer ou escrever algo que, com um pouco mais de reflexão, jamais teria sido publicado.
Ontem mesmo escrevi uma série de textos inflamados, querendo denunciar algo e enaltecer minha diferença. Mas, no meio do caminho, caí em contradição. E em vitimismo.
Eu sou a favor das pautas sociais da esquerda, como o movimento woke, mas critico seus desdobramentos contraproducentes: o vitimismo, o ataque desmedido, a obsessão com uma linguagem politicamente correta que, muitas vezes, só revela mais ódio arraigado.
E, ironicamente, ao evocar o argumento de que sou um preto e pobre que desafiou as circunstâncias, fiz igual. Ora, nem preto, nem pobre. Alguns negros, por sua posição social, acabam sendo “embranquecidos” — como Machado de Assis, O.J. Simpson, o pianista do filme Green Book. Comigo não foi diferente. O racismo subjetivo, vindo de pessoas físicas, nunca senti. Já o racismo estrutural e simbólico, esse sim, faz parte da minha realidade e eu o enfrento.
E, embora use o argumento de que sou da periferia, sempre tive acesso a bens culturais desde cedo: livros, revistas, discos — até importados. Internet, computador em 1997, um dos primeiros. Telefone. Meu pai era funcionário público bem remunerado. Sempre tivemos uma casa ampla, que, embora hoje adaptada e menor, ainda assim é nossa, mesmo estando na periferia, com um quintal para brincar e essas coisas, e não pagar aluguel em São Paulo é luxo.
Eu não sou bom exemplo. E se sofri as agruras da clínica de recuperação, foi porque escolhi ficar na versão mais barata, em vez da mais cara e tranquila, por me sentir mais à vontade. Foi escolha. Afinal, clínicas de reabilitação — mesmo as clandestinas — são caras, e a maioria dos dependentes nem tem a oportunidade de se tratar. Já as clínicas luxuosas, como a que o Casagrande frequentou, têm preços indecentes: quartos para duas pessoas custando até 20 mil por mês.
Sempre tive convênio de saúde. Ou pelo trabalho ou sendo beneficiário. E mesmo hoje, não dispondo de saúde paga, eu trabalho na prefeitura e no SUS, e tenho acesso às melhores vagas e hospitais públicos. Faço atendimento no hospital especializado em narcóticos e álcool da USP, em um prédio opulento e suntuoso, que me dá todo o suporte, tudo graças ao SUS. Se tivesse que me internar hoje em dia, meu psiquiatra conseguiria uma vaga para mim lá, certamente. E, se eu tivesse que pagar por essa estrutura, o custo seria mais de 10 mil reais mensais, certamente. Quanto aos remédios, pego de graça. É como dizem: “quem distribui e não fica com a melhor parte é porque ou é burro ou não entende da arte.”
Moro em São Paulo, trabalhei em multinacional desde os 16 anos. Com 21, tive a oportunidade de ter uma empresa com sede na Avenida Paulista, graças às oportunidades de co-working — algo que só uma megametrópole como São Paulo oferece — e à demanda por arte e cultura, áreas em que sempre atuei e me eduquei. Uma trajetória de alguém privilegiado, muito distante de ser marginalizado. Então, meu discurso vitimista não se traduz na prática.
É claro que, como não sou burguês clássico, o fato de sempre ter priorizado a cultura na minha formação é algo meritório. Mas isso só foi possível pela facilidade de acesso a recursos que sempre tive desde a infância.
E, por último, atacar outros usuários da plataforma, como um faniquito, sem focar diretamente na minha produção, só me fez desperdiçar forças. O que escrevi ontem nem dá para chamar de conteúdo!
A pessoa que amo já se acostumou com meus rompantes. Já disse coisas terríveis para ela, e, ainda assim, ela continua por aí. Invisível como o ar, é verdade, mas ainda assim imprescindível para que eu respire e tenha vida. Ela soube me entender, relevar e só enxerga o que há de melhor em mim.
Minha maior capacidade sempre foi não remoer o passado, sem ressentimentos. O pensamento sadio deve ser como um rio fluido, enquanto os ressentimentos são pedras que obstruem o fluxo contínuo das águas.
A verdade no que eu digo é que algumas ações e palavras ferem de maneira difícil de cicatrizar. Voltar atrás é possível, eu perdoo, mas prefiro aprender e me afastar. O encantamento pode acabar. Eu quero mãos estendidas para mim por escolha, não por compaixão ou piedade.