TÁ COM INVEJA? MORDE A TESTA!
A beleza e o dinheiro são valores invejados, todo mundo sabe. Mas a inteligência criativa também é vítima dos olhares invejosos, daqueles de quem devemos fugir.
Deve ser difícil para alguém que estudou nos melhores colégios, que já está quase com 50 (ou quase isso), mãe de gatos, muito provavelmente (nada contra kathmandu), porque, que outro ser humano suportaria? ver alguém mais jovem, com muito mais repertório, elegância, conhecimento e conteúdo. E pior: alguém que passou longe da universidade, como um Machado de Assis negro e pobre, que, apesar das adversidades, se instruiu mais do que a burguesia e, pelo engenho e sagacidade, ironiza essa classe — embora tire dinheiro dela e seja exaltado por aqueles que ele ridiculariza.
Não é à toa que, desde os 14, meu apelido é Machadinho. Eu sou um underdog, e contra todas as odes, fiz de mim, por falta de palavra melhor: um intelectual refinadíssimo. A prova material são meus escritos.
De que adianta ter livros belos na estante se eles são só decoração? De que adianta ler tanto e não saber se expressar criativamente, didaticamente, mesmo depois de anos na universidade?
Mas é claro: ela não ensina originalidade, ensina cópia. Como aqueles relógios do Silvio Santos, programados para dizer as horas e repetir, sem reflexão.
E de que adianta estar num belo país e morrer na solidão, sem ninguém para amar? Não saber aproveitar a vida?
Eu faço filosofia na carne, na pele, no sangue. Como as penitenciárias inscritas no código penal de Na Colônia Penal, de Kafka. O que eu leio, reorganizo de forma criativa e transformo em conteúdo.
Essa citação de Kafka e essa capacidade são algo que a universidade não ensina.
Eu conheci o sofrimento. A miséria. E se eu não tivesse aprendido a alquimia de transformar merda em ouro, não sei o que teria sido de mim.
Meu coração batia e desacelerava pelo abuso de entorpecentes. Eu só desejava que tivesse outra oportunidade, que ele não parasse de vez, para que eu pudesse continuar a escrever.
E o que não nos mata nos fortalece. Hoje estou aqui, mais forte e belo do que nunca, exalando conhecimento e erudição. Se quiser chamar um texto meu de cópia, seja O Prazer Que a Língua Pode Dar ou Futebol: A “Cracolândia” do Povo, então faça igual.
E se conseguir, eu quererei sua companhia.
Zaratustra desafiou: “Quem é mais sem Deus do que eu? Pois este eu respeitarei.” Assim sou eu com quem produz conhecimento.
Se a pessoa é tão intelectual, cadê seus artigos culturais? Sua produção? Sua obra?
Ou, se a professora da faculdade pedisse para escrever vinte linhas sobre um tema qualquer, não conseguiria? Acho melhor gastar menos tempo escolhendo foto ilustrativa pra tentar produzir um conteúdo relevante.
Eu estive internado. Mais de dez pessoas num quarto pequeno. Quarenta dividindo o mesmo alojamento. Um banheiro. Cinco voltas de papel higiênico.
Salsicha ou frango. Macarrão com feijão e arroz. Pão seco, sem nada. Sopa de restos aos domingos, com mais de cem pessoas.
Uma vez por mês, tínhamos que lavar a louça da clínica inteira: mais de cem pratos, talheres, copos, dezenas de panelas industriais de plástico. Se houvesse gordura, mandavam voltar.
E, mesmo nesses dias, no intervalo das tarefas, eu estava com um livro na mão.
Em seis meses nesse ambiente inóspito, de barulho e algazarra, não é preciso paz para ler? Pois eu li mais de trinta livros.
Deslegitimar minha força de vontade, meu amor pelo conhecimento e minha dedicação, como se eu fosse apenas um decorador de saberes, é um desserviço a um preto e pobre da periferia que é muito, mas muito culto.
Diferente de quem só conhece a pobreza por ouvir falar.
A vida esterilizada de outro país.
Eu já dormi na favela. Ia quase diariamente. Frequentava, sujava o tênis de barro.
Quem aqui passou por essa experiência? Quem de vocês seria capaz?
Com saudades do lar e de quem amo, mas ciente de que fui eu quem me coloquei nessa situação, nenhuma lágrima saiu do meu rosto.
Eu estava tão triste e desenganado que tinha desaprendido a chorar.
E como teria me feito bem!
Muito cuidado. Cuidado.
Porque a fobia social é uma patologia semelhante à sociopatia.
Vá estudar mais. Vá fugir pelo mundo da representação, porque seu privilégio te permite.
Mas ser um humano real… isso jamais será.