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DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos

PARECE UMA PRINCESA

Não sei se sou príncipe, mas sempre tive uma queda e soube cativar as meninas que carregam no olhar o brilho mimado das princesinhas do papai. Talvez seja a minha elegância natural, ou quem sabe a fluidez que a experiência de vida me trouxe. Já transitei por suas famílias, compartilhei mesas fartas, ouvi histórias de berço e de castelos de vidro. Mas e se, no fundo, eu ainda for um sapo ou uma fera, esperando o beijo certo para, enfim, me transmutar?

 

Mas este texto não é sobre amor. Ou talvez seja.

 

Na verdade, é sobre música — sobre uma banda esquecida nas frestas do tempo e uma canção rara, dessas que poucos conhecem, mas que merecem ser redescobertas. Lembrei dela por acaso, quando o aleatório do meu celular escolheu entre as 3.465 músicas que carrego (e que ainda estão longe de compor minha biblioteca completa).

 

Falo de uma banda paulista que brilhou no início dos anos 2000, época em que Gram surgia com aquele clipe do gatinho que perde suas vidas — belo, triste, inesquecível. Na mesma onda, vieram Cansei de Ser Sexy e Ludov, e é desta última que quero falar. Mais especificamente de “Princesa”, uma música que desliza pelos ouvidos como um conto moderno, daqueles que nos fazem acreditar, nem que por um instante, em finais encantados. O nome Ludov nasce da literatura e da música, um eco entre palavras e notas. Inspirado no protagonista de Laranja Mecânica, Alex DeLarge, que em sua devoção à música clássica chamava Ludwig van com a intimidade de quem reverencia um deus sonoro. Da grandiosidade de Beethoven, a banda destilou o nome até a essência: Ludov — uma homenagem à arte que transcende tempos, que pulsa e transforma, tal como a música na vida de quem a escuta.

 

Uma Princesa no Caos Moderno

Detenhamo-nos nos versos, mergulhemos no videoclipe da canção que compartilho a seguir — uma janela para sensações que palavras sozinhas não alcançam.
 

VIDEOCLIPE PRINCESA LUDOV: https://youtu.be/72enR3b-jAU?si=5zzJVMH11hSYpqSj

 

Sei que há contas a pagar
E há razões pra terminar

A semana toda ficou para trás

Ela tem trabalhado demais”

 

O tempo engole os dias, os compromissos acumulam-se como pilhas de papéis esquecidos sobre a mesa. Há sempre razões para o esgotamento, para encerrar um ciclo e esperar, talvez em vão, que o próximo seja mais leve. Mas o mundo não desacelera. Ela segue, imersa na rotina, os olhos pesados de segunda a sexta, a alma exausta de tanto se doar.

 

E então chega a noite, e com ela a liberdade clandestina.

 

Como seria melhor

Se não houvesse refrão nenhum

Mas há.”

 

A previsibilidade da vida é um refrão inevitável. O ciclo se repete: trabalho, cansaço, fuga. Como seria melhor se houvesse uma quebra na melodia, um desvio inesperado no compasso do destino. Mas há. Sempre há.

 

E no seu apartamento

Ela se esquecia de tudo

Parecia uma princesa

Não se importava com o resto do mundo

E largava os pés em cima da mesa.”

 

Dentro de casa, longe das amarras da cidade, ela se permite ser outra. Ou talvez ser apenas ela mesma, sem a necessidade de interpretar papéis. A princesa moderna não veste vestidos rodados nem aguarda um príncipe – ela joga os sapatos para longe, estica-se no sofá e reina sobre um pequeno reino de almofadas e desordem.

 

A semana toda ficou para trás

Ela tem trabalhado demais”

 

Repetição. O peso do cotidiano é um mantra que não se cala. Mas, entre os cacos de cansaço, há pequenos instantes de trégua.

 

E no seu apartamento

Ela se esquecia de tudo

Não havia contratempo

Ela segurava o seu coração

E largava as roupas pelo chão.”

 

No refúgio solitário do seu castelo urbano, não há urgências. O coração, tantas vezes apertado, encontra um instante de paz. A liberdade tem sua expressão mais genuína nos gestos despreocupados: pés sobre a mesa, roupas pelo chão, a ausência de pressa.

 

E, assim, enquanto lá fora o mundo insiste em girar, ela se dá o direito de parar.

 

A Crueza do Amor em “Kriptonita”

Outra excelente canção do Ludov é “Kriptonita”, onde amar é também fraquejar — pensar na pessoa amada é como segurar kriptonita nas mãos, um brilho que fascina e enfraquece ao mesmo tempo.

 

 

Eu tenho o mundo inteiro pra salvar

E pensar em você é kriptonita

Você é tão bonita de se admirar

Tão bonita.”

 

Se a rotina exaure e pede fuga, o amor, por sua vez, arrebata e desmonta. Como um super-herói que carrega o peso do mundo nas costas, mas se vê impotente diante da presença da pessoa amada, os versos de “Kriptonita” traduzem essa rendição involuntária. Não importa quantas batalhas precisemos travar, quantos compromissos nos chamem — há sempre alguém que, apenas por existir, nos desarma completamente.

 

Eu também tenho minhas kriptonitas, além do amor. Como já confessei em outros textos, sou rendido pela veleidade intelectual à la Clarice, pelos fetiches que desenham o erótico como arte. Mas, sem dúvida, pensar na pessoa amada é a mais devastadora de todas.

 

Porque no fim, por mais fortes que tentemos ser, há sempre algo ou alguém que nos faz baixar a guarda — e largar as roupas pelo chão.

 

VIDEOCLIPE KRIPTONITA LUDOV: https://youtu.be/hOL986dwM7c?si=Rsy05Gc_lTgnykvC

 

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 22/02/2025
Alterado em 22/02/2025
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