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DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos

EU JÁ LI OUTRO LIVRO ALÉM DE NIETZSCHE?

 

Eu Só Li Nietzsche?

Fui questionado por Argônio se já li algo além de Nietzsche. Refutarei essa crítica—claro, citando mais Nietzsche.

 

Nietzsche dizia que Spinoza era seu irmão, seu igual, aquele que serviu de prelúdio, antecipou e preparou o caminho para seu pensamento. Assim também o vejo: meu irmão, meu igual. Mas o próprio Nietzsche adverte que se retribui mal a um mestre tornando-se para sempre seu discípulo. Há em mim essa força interna, esse espírito de rebeldia que sempre me impeliu a negar aquilo que aprendi, a alçar os meus próprios voos. Algumas ideias me servem, aplico-as. Outras, porém, soam-me incoerentes, impraticáveis, contraproducentes para a vida.

 

O Caminho do Pensamento

Por exemplo, a falta de espírito de aventura e de experiências amorosas na vida de Nietzsche. Se quero aprender sobre amor, mulheres, sedução, não é nele que busco respostas, mas em quem compreendia o jogo dos afetos—Kierkegaard, Milan Kundera e, claro, Ovídio.

 

E se cito Nietzsche com frequência, é porque ele foi o filósofo que mais li, que mais estudei, aquele com quem tenho maior afinidade intelectual. E, segundo ele mesmo, qual o problema em dominar apenas um livro? Nietzsche já dizia que possuir uma única virtude, desde que seja verdadeiramente sua, é melhor do que carregar duas ou três e sobrecarregar o espírito. Assim atravessamos melhor a ponte—essa travessia do pensamento entre um cume e outro. Para isso, é preciso ter pernas longas ou ser um exímio equilibrista.

 

O Homem de Fogo

Nietzsche, em Assim Falou Zaratustra, adorava essa imagem da travessia, do equilíbrio sobre o abismo. Por isso filosofava em aforismos— altos picos e passagens de um pensamento a outro. E, para suportar essas altitudes, é preciso fôlego.

 

Lá no alto, o ar é mais fresco.

 

O Especialista e o Homem Completo

No entanto, em Bataille, a ideia também é a de que o especialista é um homem incompleto, um ser parcial, que domina apenas uma coisa. Seu conhecimento não arde como uma chama. Já a grande preocupação de Nietzsche é que o verdadeiro homem seja como uma chama viva, um fogo do conhecimento que incendeia o corpo inteiro. Este homem é difícil de ser contido, pois as chamas dele não param de sair, e quem se aproxima pode se queimar. Por isso, ele aconselha que não cheguem muito perto, não para se esquentar, mas para não se escorarem na sua energia. O homem completo tem um desejo imenso por uma visão abrangente do conhecimento, capaz de fazer ligações com tudo, sobre tudo.

 

A Vida Bem Vivida

Como trabalho na saúde, é comum me compararem a um simples escriturário, em relação aos médicos. Alguns são pouco mais velhos do que eu, com a vida feita, filhos e famílias. Mas, muitas vezes, a vida bem vivida e o sucesso não podem ser medidos apenas pelos valores da sociedade, como bens materiais, status social ou segurança e conforto — esses são valores medíocres, símbolos da modernidade e do que Nietzsche chamou de “últimos homens”. Na verdade, os bens materiais e a família devem ser expressão do espírito altivo e nobre de uma pessoa, mostrando sua singularidade, a beleza que ela carrega em si. Eles não devem ser uma muleta para agradar à sociedade. O que se possui deve ser reflexo do próprio ser e comunicar ao mundo quem você é.

 

A Importância do Gosto Pessoal

De que adianta o dinheiro, se não se sabe como desfrutá-lo, tendo mau gosto para usufruí-lo? Quando comparam a minha aparência com a dos médicos, alguns podem até acreditar que sou doutor e eles, meus subordinados. Confusão, que às vezes se torna constrangedora — para eles, claro. Eles não têm a altivez, o pathos do distanciamento e, talvez, o bom gosto para se expressar através das coisas que possuem, que adquiriram com seus estudos e autoimagem. Algumas pessoas podem confundir isso com humildade, mas não é humildade. É falta de alma, de profundidade, um mal gosto que ressurge.

 

A Arte do Bom Viver

Como diz Pessoa, tudo vale a pena se a alma não é pequena, e a alma de muitos não costuma ser. A altivez e a confiança que se adquirem, o pathos de distanciamento proporcionado pelos objetos belos que se possuem e que nos cercam, são frequentemente motivos de inveja, mas também de admiração pelo conhecimento. Ora, a arte do bom viver está intimamente ligada ao saber apreciar a arte e o conhecimento, pois a vida, por si só, é vazia e não basta. A arte é o que redime o homem de sua mediocridade; nela, ele se eleva e manifesta sua potência.

 

Presunção e Grandeza

Minha atitude diante do mundo pode parecer presunção. Mas, ao meu ver, prefiro a presunção à humildade, essa virtude cristã que, na verdade, me parece mais um defeito, pois é algo submisso, subalterno. As grandes obras não teriam nascido se não fosse pela presunção dos seus criadores. Da Vinci não teria ousado pintar o teto da Capela Sistina? Homero não teria escrito sua Odisseia? Praxiteles não teria eternizado a mulher em mármore na Vênus de Milo? Isso não nasce da presunção de querer ser mais, de querer transcender? Imagina se fossem humildes, como Picasso, por exemplo, que, em vez de criar o Cubismo, se contentasse com retratos de transeuntes em aquarela, vendidos por uns trocados em uma feira de Madrid para sobreviver?

 

Nietzsche e a Medicina

Ainda em Nietzsche, como diz Argônio, eu só li ele, ele falava sobre a nossa tendência de confundir causa e efeito, e muitas vezes atribuímos causas imaginárias ou fantasiosas para explicar fenômenos, como doenças sendo associadas a demônios ou catástrofes vistas como intervenções divinas. O médico, por sua vez, é um especialista em causa e efeito. E todo médico deveria ser nietzschiano, pois Nietzsche é materialista, acredita que só existe corpo. O médico precisa buscar a causa na doença, no corpo; é um especialista em traçar a relação de causalidade e efeito e não pode errar, pois um diagnóstico errado pode ser fatal.

 

A Ética do Bom Médico

O bom médico tem empatia, conforta o paciente e, quando não resolve o problema ou não oferece a cura, direciona o paciente para um caminho melhor. Ele não tenta apenas se livrar do problema, pedindo um monte de exames para se livrar do paciente rapidamente e chamar o próximo. O que pode parecer uma tentativa de sondar melhor um problema, na verdade, às vezes, não passa de um modo de adiar a situação, de procrastinar. Como um otorrinolaringologista que, ao ver um problema de cera no ouvido, pede para o paciente voltar em duas semanas e vai colocando “cerumim” para facilitar o seu trabalho. Enquanto eu, por sorte, encontrei uma profissional excelente que, em uma única consulta, resolveu o meu problema sem precisar que eu voltasse. Claro que, em alguns casos, os exames são essenciais, pois o médico não pode errar no diagnóstico, especialmente em situações de risco, como uma cirurgia que possa levar à morte. Porém, muitas vezes, esses exames acabam sendo uma muleta.

 

Refutando a Crítica

Agora, o argumento de que eu só li Nietzsche, e por isso sou um homem parcial, é facilmente refutado ao abrir minha escrivaninha e mostrar a pluralidade dos assuntos e temas que abordo, e dos autores que leio. Minha preocupação é criar um conteúdo com força e autenticidade, e não um conteúdo vazio, revestido de beleza e belas palavras que não dizem nada. Se você pedir ao ChatGPT para criar uma prosa poética ou uma poesia, ele o fará: unirá algumas palavras de forma superficialmente bela, criando versos que no fim não têm funcionalidade nem significado. Isso, no entanto, não pode ser considerado arte. Se o objetivo for criar versos sem força, sem significado e sem embasamento, lamento informar que até a inteligência artificial faz isso melhor do que você.

 

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 22/02/2025
Alterado em 22/02/2025
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