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DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos

O AMOR SE DISFARÇA COMO INDIFERENÇA

Amor Disfarçado em Indiferença

O amor, tal qual uma mutante furtiva, lembra a encantadora Vampira dos X-Men, que absorvia os poderes alheios, ou talvez a enigmática Mística, capaz de se transfigurar em qualquer um. Às vezes, ele se veste com a pele fria da indiferença, toma-lhe a forma como uma armadura, fingindo desprezo enquanto oculta sua verdadeira essência.

 

Na literatura, poucos personificam essa ambiguidade como Capitu, de olhos oblíquos e dissimulados, onde se esconde o mistério de um amor que nunca se entrega por completo. O olhar é o palco onde o amor se disfarça—finge desinteresse, mas busca, anseia, deseja. Só raros são os mestres dessa arte, aqueles que, como Capitu, sabem esconder a alma no véu de um olhar oblíquo.

 

O Jogo dos Olhares e a Ilusão da Indiferença

Na sedução, a troca de olhares é um ritual silencioso, um jogo de sombras e intenções que se revela tanto no desejo quanto no interesse casual. Hoje mesmo, na academia, vivi um episódio curioso. Uma mulher chamou minha atenção — pele alva, simetria delicada no rosto, o rubor sutil das bochechas contrastando com a expressão contida. Sua estatura média, seu corpo esculpido na medida exata entre a imperfeição e o convite, tudo nela parecia se alinhar a um ideal secreto que eu sequer sabia ter. O short marcava, sem pudor, o que os americanos chamam de dysfunctional closet, revelando uma visible panty line ontem, o que é difícil de disfarçar com roupa de academia, e hoje, uma visible thong line— para mim, uma verdadeira kriptonita.

 

Não sei se foi coincidência ou cálculo, mas nossos olhares já haviam se cruzado ontem, cúmplices. E hoje, lá estava ela, no mesmo horário, agora mais próxima. Por um instante, entre séries de exercícios, notei seu movimento em minha direção. Pediu a um terceiro para dividir um aparelho e, ao se posicionar, ficou tão perto de mim que, se eu erguesse o braço, poderia tocá-la. A proximidade transformou-se em uma provocação silenciosa quando começou a fazer agachamentos à minha frente. Meu raciocínio fugiu do meu corpo, que reagiu instintivamente, revelando sinais indisfarçáveis — e, com o short colado da academia, não havia onde esconder a resposta fisiológica.

 

Diante da súbita consciência de mim mesmo, virei para a janela, mirando a paisagem, buscando refúgio no ar frio de fora. Respirei fundo, disfarcei. E, covardemente, em vez de puxar assunto — talvez o que ela esperasse com a aproximação —, resolvi me afastar. Fui até a bicicleta ergométrica, me distanciando propositalmente para evitar o embaraço. Pedalei, fingindo indiferença, negando a linguagem explícita do meu próprio corpo.

 

Mas vamos ver… Se ela continuará frequentando o mesmo horário que eu, se o destino nos reserva novos encontros. Porque os olhares, esses, não mentem.

 

A Disfarçada Realidade do Amor

E voltando à dissimulação do amor, ao amor disfarçado de indiferença: algumas mulheres acreditam que seus amantes sentem ciúmes de seus maridos. Mas, na verdade, o que deveria ocorrer é exatamente o contrário.

 

O Jogo de Olhares e a Missão de Escrever

E ainda nesse jogo de olhares na academia, encontro meu momento de repouso — um espaço onde passo boas horas do dia e me permito escrever. Não sei se sou ostensivo demais ou se, de alguma forma, acabo chamando atenção, mas, exatamente após minha fuga covarde digna de Leão da Montanha daquela garota apetecível, fui interrompido em meio ao meu esboço sobre a cultura woke.

 

A professora se aproximou e disse algo. Como estava de fones de ouvido, não entendi de imediato. Apertei o botão que interrompe a música — um JBL, aliás — e a ouvi repetir:

 

— Está escrevendo um livro?

 

Sorri e respondi:

 

— Mais ou menos, professora.

 

Na verdade, já escrevi alguns em termos de produção aqui no RL, não é verdade?

 

O Método do Tecelão: A Arte de Criar

Sócrates é lembrado pelo método da maiêutica, a arte de dar à luz pensamentos, como uma parteira que ajuda no nascimento de ideias. O meu método, no entanto, é o de um tecelão: sigo o fio de ouro de Ariadne, aquele que permitiu a Teseu escapar do labirinto do Minotauro, e com ele costuro ideias improváveis, entrelaçando conceitos dispersos até que formem algo reluzente — uma tapeçaria de pensamento, algo que brilhe com o esplendor do ouro.

 

Ariadne, afinal, era casada com Teseu, o herói, mas preferiu como amante Dionísio, o deus do prazer. O que isso nos ensina? Você pode ter um herói ao seu lado, mas, no fim, é muito melhor ter como amante um deus.

 

Ah, eu não quero ser um herói. Eu quero ser um deus!

 

Hoje, estou em busca da grande beleza, como Jep Gambardella, o protagonista do filme de Paolo Sorrentino.

 

A Grande Beleza e o Valor das Coisas Simples

Minha busca é pela beleza e pela felicidade que ela proporciona. Meu amigo J., ao ouvir-me dizer que estava frustrado por, em nenhum lugar fora do streaming, terem transmitido o jogo da Champions entre Real e City, justo no dia em que eu estava de folga, brincou comigo ironicamente, dizendo: “Deve ser foda ser você”. Esse, aparentemente, é o meu tipo de problema. Sim, minha preocupação atual é exatamente essa.

 

Será que vou de cinto ou sem para o trabalho? As cores do meu look do dia vão combinar? Como estará a pose na academia? E, claro, sairei bem na foto? Estarei elegante, impecável, para atender o público? Meus escritos terão força, ou ao menos a beleza poética que os fará conquistar um bom número de leituras? Isso é o que chamo de minha busca pela grande beleza, que está dentro de mim, e mais ninguém.

 

Essa, de fato, é minha preocupação atual. E isso, de certo modo, é uma grande melhoria, comparado ao tempo em que minha mente se ocupava apenas com uma questão: se eu sobreviveria a uma overdose de entorpecentes, se estaria vivo no dia seguinte para aproveitá-lo e escrever sobre ele. Hoje, minha busca é pela beleza e pelo amor, ainda que eu colha a indiferença. Mas, sabemos, qual é a verdadeira forma que se oculta por trás dessa dissimulação.

 

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 21/02/2025
Alterado em 22/02/2025
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