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DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos

A Energia Sexual Usada no Dia a Dia

 

A Energia do Desejo e o Corpo da Palavra

Minha amiga Kathmandu percebeu uma mudança no tom dos meus textos—antes polidos, de elegância ímpar, agora marcados por uma franqueza crua, onde palavras como “pussy” emergem sem cerimônia. Já meu hater, Argônio, insiste que nada justifica viver em função do materialismo e que, portanto, textos que exaltam a beleza física, o sexo, as drogas ou qualquer outro excesso não são conteúdo, pois a verdadeira cultura reside na educação.

 

Dartagnan, mestre e decano do Recanto, sentencia: “Sexo não se discute, faz-se.” Sem dúvida, há mais prazer na prática do que no debate, mas não é justamente sobre sexo que se fala o tempo todo? O decano e o senhor Argônio parecem ignorar que a mesma força que nos move para aprender, criar e buscar cultura é aquela que nos impele ao desejo. Freud a chamou de energia libidinal, Lacan de desejo estruturante, Bergson de élan vital, Nietzsche de vontade de potência, e Spinoza de potência de agir.

 

O que chamamos de cultura nada mais é do que a sublimação desse impulso primordial.

 

Redirecionamento da Energia

A minha energia libidinal, que outrora se dissipava em prazeres efêmeros, como o sexo momentâneo ou a fuga da realidade proporcionada pelos entorpecentes, agora encontra um novo direcionamento. Deixando para trás esses prazeres artificiais que drenavam minha vitalidade, é natural que eu redirecione essa libido – essa força pulsante que é tão parte de mim – para atividades que realmente ressoam com minha essência. Assim, a musculação e a escrita se tornaram os campos onde deposito essa energia, moldando o corpo e a mente de maneira que reflete em meus textos.

 

Hoje, minhas palavras carregam consigo uma erotização mais intensa, uma tensão sexual que pulsa por entre as linhas e metáforas, refletindo o estado de meu corpo e de minha alma. A energia que antes era consumida por escapismos se transforma em um fluxo criativo, sublimando meus desejos nas palavras que escrevo.

 

Cada linha que componho é um reflexo de minha transformação interna, do meu desejo de ser mais, de me expandir, de explorar o mundo através do corpo e da mente. Nos textos, encontro a válvula de escape para aquilo que o corpo não pode expressar plenamente, e é nesse equilíbrio entre tensão física e verbal que busco minha verdadeira potência criativa.

 

Eros: O Impulso Vital que Move o Mundo

A ideia de que a energia sexual é a força propulsora do mundo remonta aos primórdios da mitologia grega. No poema “Teogonia”, de Hesíodo, cujo nome etimologicamente se traduz como “origem dos deuses”, encontramos Eros, um dos primeiros deuses, simbolizando a energia vital que move o cosmos. Eros não apenas representa o impulso da copulação, mas a própria força vital que impele a criação e a continuidade da vida.

 

Muitos, no entanto, conhecem Eros não em sua essência primordial, mas na forma simplificada e humanizada que a cultura popular nos legou: o pequeno deus alado com arco e flecha, disparando suas setas em corações apaixonados. Essa figura, embora encantadora, reduz um conceito profundo e vasto à abstração de um deus travesso que causa o amor. O que se esquece, muitas vezes, é a profundidade dessa energia, que não se limita ao ato do desejo, mas se irradia como força cósmica essencial para a existência de tudo o que é vivo.

 

De fato, a relação entre Eros e o mundo é muito mais complexa do que a simples representação que a figura popularizada sugere.

 

O Nascimento dos Deuses e o Desejo que Move o Mundo

Um pouco de mitologia de Hesíodo para as massas ignaras: no princípio, existia apenas o Caos, o abismo profundo e informe. E do seio desse vazio primordial nasceu Eros, a força pulsante do desejo, o ímpeto vital que impulsiona a criação. Logo após, emergiram Gaia, a Terra fecunda, e Urano, o Céu imenso que a cobria por inteiro.

 

E foi Eros, o ardor invisível, quem fez com que Urano e Gaia se unissem em um enlace incessante, e dessa união nasceram os Titãs. Mas Urano, temendo o poder de sua descendência, manteve os filhos presos nas entranhas de Gaia, nas profundezas do Tártaro, até que um deles, o astuto Cronos, rebelou-se. Armado de uma foice, ele castrou o pai, e, ao fazê-lo, separou pela primeira vez o Céu da Terra. Com esse ato, inaugurou-se a dimensão do Tempo — Chronos, o fluxo inexorável que tudo devora.

 

Das gotas de sangue derramadas por Urano sobre Gaia, nasceram os Gigantes, as Erínias (as Fúrias vingadoras) e as Melíades, ninfas dos freixos. Mas do sêmen divino que caiu sobre o mar, misturando-se à espuma das ondas, nasceu Afrodite, a deusa da beleza e do amor, vinda ao mundo em um resplendor perolado.

 

Cronos, senhor do Tempo, tomou para si o domínio do cosmos e desposou sua irmã Réia, gerando os primeiros deuses do Olimpo. Mas, advertido por uma profecia de que um de seus filhos o destronaria, devorou-os um a um ao nascerem — gesto imortalizado na pintura de Francisco de Goya, que retrata Saturno (Cronos) devorando sua prole, um símbolo do tempo que consome tudo o que cria.

 

Réia, no entanto, inconformada, urdiu um ardil: ao invés do caçula Zeus, entregou a Cronos uma pedra envolta em panos. O verdadeiro filho foi ocultado nas profundezas do Tártaro, onde cresceu nutrido pela ambrosia dos deuses, fortalecendo-se até o dia do acerto de contas. Quando finalmente chegou sua hora, Zeus desafiou o pai, obrigando-o a regurgitar os irmãos e lançando-o ao abismo.

 

Assim, Zeus impôs a ordem cósmica (kosmos), instaurando a diké, a justiça divina. Aos deuses, distribuiu seus ministérios: Ares ficou com a guerra, Hefesto com a forja e as armaduras, Hades com os reinos subterrâneos, Poseidon com os mares. Afrodite, nascida da junção do esperma divino com as ondas, reinou sobre o amor e a sedução, e de seu seio brotou Eros, agora não mais o princípio cósmico primordial, mas um deus travesso, alado, armado de arco e flechas para dilacerar corações e espalhar o ardor do enamoramento.

 

Desde o princípio, é o desejo que move o mundo.

 

Do Desejo à Ação: A Energia Vital da Vida

A explicação sobre os dois Eros deixa evidente que a ideia de desejo sexual e libido como forças motrizes do mundo é tão antiga quanto a própria mitologia. A separação entre materialismo e espiritualidade, corpo e mente, é uma falsa dualidade. Pensamento e corpo são manifestações de uma mesma energia, reflexos do nosso estado físico. Nossa libido e nossos impulsos sexuais não desaparecem, apenas se transmutam — podem ser direcionados para a busca do prazer efêmero ou sublimação em outras esferas, como a atividade física, o estudo ou qualquer outra forma de criação.

 

A energia que empregamos na disciplina de treinar é a mesma que nos impulsiona a estudar, a nos aprofundar em algo, a vencer desafios intelectuais. No fim, tudo se resume ao desejo e à forma como canalizamos essa potência para alcançar nossos objetivos, seja passar no vestibular, dominar um ofício ou simplesmente nos superar.

 

Se antes minha brisa era anestesiar-me no torpor dos entorpecentes, hoje meu êxtase se encontra na arte de provocar deleite — seja através da escrita ou da minha imagem, ainda que idealizada. Porque, verdade seja dita, sexo mesmo anda me faltando, mas a imaginação supre. E a vantagem de ser homem está na facilidade em encontrar satisfação, mesmo na ausência do ato. Enquanto isso, meu tesão pela vida segue incólume, ardendo na intensidade dos meus textos, onde a energia vital se traduz em palavra.

 

 

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 20/02/2025
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