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DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos

Ele lhe mandava áudio porque não sabia escrever

Após receber um longo áudio de seu marido, um pensamento invade sua mente sem pedir licença:

 

“Por que você não pode ser um pouco como Dave Le Dave?”

 

O homem que permaneceu

Aquele belo exemplar de rapaz de aparência germânica, que está ao seu lado desde a adolescência. Seu marido. O único homem cativo de sua vida—embora, por um tempo, houvesse outro, no intervalo da separação, justamente durante a gravidez precoce que ele não soube aceitar. Falta de maturidade, talvez.

 

Mas nunca foi infiel. Nem mesmo quando, tomado por uma ideia descabida, cogitou interromper a gestação da filha que, ironicamente, se tornaria o grande amor de suas vidas. Um símbolo do relacionamento. O que permite que ele ainda perdure—seja por conveniência, seja pelo que chamam de amor—apesar da covardia de um ato de agressão.

 

A voz que encobre a miséria

E, na verdade, por trás de um simples áudio enviado no lugar da palavra escrita, oculta-se toda a história da miséria brasileira. Um rastro de desigualdade que faz com que muitos se sintam mais confortáveis com esse recurso por terem sido vítimas de um crime social: o abandono da educação.

 

Seu marido, como tantos outros, não teve o privilégio de concluir os estudos. Em sua família, em suas tradições, nunca houve incentivo ao hábito nobre da leitura. Não herdou capital cultural, como diria o sociólogo francês Pierre Bourdieu.

 

O peso da oralidade

Por isso, sentem-se mais confortáveis falando, enviando áudios, do que escrevendo. A oralidade lhes permite transmitir a mensagem sem o risco de se perderem em erros e distorções.

 

Não nego que, em certas situações, especialmente em momentos de urgência ou no mundo corporativo, a comunicação falada tem seu valor. Mas na troca de afeto, ternura e elogios — quando não há pressa — a linguagem escrita ainda reina soberana.

 

A lacuna que se forma

E quando a jovem contrasta a imagem de seu marido — de aparência agradável, mas marcado por deslizes e um momento de ira em que a agrediu após uma provocação — com a figura de quem desejaria ser seu amante, nasce um sentimento de falta.

 

Uma lacuna, um vazio. A mesma sensação que ecoa na mente de tantas mulheres: “Eu cuido de todos, mas quem cuida de mim?”

 

Então, por que não reivindicar para si um pouco de prazer? Um merecido instante de esquecimento?

 

Desejos não confessados

Algumas preenchem esse vazio entregando-se a qualquer um que saiba saciar seus desejos mais ocultos — aqueles que não ousam confessar nem ao próprio marido.

 

Mas encontrar alguém que desperte o corpo e a mente ao mesmo tempo, que compreenda e satisfaça seus anseios mais profundos, é um raro privilégio.

 

O elogio vazio

E quando nada mais lhe resta como arma, ela se vê entre duas escolhas: aceitar os elogios rasos que inundam suas fotos no Instagram — meras palavras vazias, repetitivas, previsíveis como “gata”, “deusa”, “arrasou gata” — vindas de homens que sequer sabem o que é ou a função de um vocativo, ou fingir indiferença. Fingir que não sente nada. Fingir que não precisa de nada.

 

Mas esses admiradores virtuais, que lhe dirigem palavras tão automáticas quanto efêmeras, são apenas extensões de um mesmo vazio — sombras de seu marido, reflexos pálidos do que ele não consegue ser.

 

No seu caminho errante, na busca por um homem autêntico, original, que desperte tanto sua mente quanto seu corpo, ela se depara sempre com o mesmo ciclo, a mesma ausência disfarçada de presença.

 

O eterno retorno

E no fim, quando recebe mais um daqueles áudios de alguns desses admirados encontrados por ai nas redes, no seu ciclo de amizades virtuais, talvez, por um breve instante, se lembre de mim.

 

E, num suspiro inevitável, se pergunte, como num eterno retorno:

 

“Por que você não pode ser um pouco como Dave Le Dave?”

 

 

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 19/02/2025
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