Os unicórnios são criaturas aladas e mitológicas, frequentemente descritas como inexistentes no mundo real. No entanto, simbolizam algo excepcional, belo e raro—uma presença quase inalcançável. Representam o mito, mas, como bem disse minha amada Flora, escondem um pote de ouro no arco-íris.
Mas e se esses unicórnios existissem de fato, não apenas como alegorias, mas como presenças vivas, tangíveis e representativas? Para provar sua existência, não em um sentido metafórico, mas real e palpável, volto-me ao esporte—o campo onde a competição se manifesta em sua forma mais pura. É nele que esses seres raros se exibem com plenitude, pois ali ainda prevalece o espírito aristocrático da distinção, e não a mediocridade niveladora que prega uma igualdade artificial.
Do basquete ao futebol americano, passando pelo futebol tradicional, os unicórnios se revelam em sua singularidade. São os atletas extraordinários, aqueles cujas habilidades transcendem a média e que, por sua raridade, tornam-se quase míticos dentro de suas modalidades. Entretanto, esses seres não habitam apenas as arenas esportivas; também podem ser encontrados no nosso cotidiano, ainda que com menor frequência. No entanto, seu ambiente natural jamais será o território do ordinário, pois a banalidade não é solo fértil para a origem do excepcional.
Tal como uma orquídea, que desabrocha em solos áridos e inférteis, desafiando a natureza com sua beleza esplendorosa e seu perfume inigualável, esses unicórnios humanos emergem em meio ao comum, iluminando o mundo com sua presença singular.
O lendário técnico do Boston Celtics, Red Auerbach, foi o arquiteto de uma revolução silenciosa no basquete. Sob seu comando, os Celtics conquistaram nove títulos da NBA entre 1957 e 1966, sendo oito deles consecutivos—um domínio absoluto na história do esporte. Mas seu impacto transcendeu os troféus. Auerbach quebrou barreiras ao apostar em Bill Russell, um jovem negro de quase dois metros de altura, num esporte até então jogado predominantemente por brancos.
Russell trouxe ao basquete um novo paradigma: sua envergadura e capacidade atlética permitiram-lhe dominar o garrafão, capturar rebotes com facilidade e impor uma defesa implacável. Até então, o jogo era mais técnico e cadenciado, mas com sua presença, o basquete tornou-se mais físico, dinâmico e estratégico. Sua ascensão incentivou a busca por outros jogadores negros, o que gradualmente transformou a NBA em uma liga predominantemente afro-americana. O reflexo dessa mudança foi sentido no público: a elite branca, que antes via o basquete como um esporte sofisticado, começou a migrar para modalidades como o futebol americano e o beisebol, deixando o basquete com um status mais marginalizado.
Nessa mesma época, brilhou Wilt Chamberlain, um dos jogadores mais dominantes da história. Com seus impressionantes 2,16 metros de altura, ele combinava força física, agilidade e habilidade técnica. Seu feito mais lendário ocorreu em 2 de março de 1962, quando marcou inacreditáveis 100 pontos em um único jogo, um recorde que jamais foi superado.
Contudo, a transformação da NBA de uma liga marginal para um fenômeno global passou pelas mãos de David Stern, um visionário do marketing e dos negócios. Sua gestão, iniciada em 1984, coincidiu com a era dourada do basquete, marcada pela rivalidade feroz entre Los Angeles Lakers e Boston Celtics. De um lado, Larry Bird, o ícone branco da classe trabalhadora de Massachusetts, estado com um histórico racialmente conservador. Do outro, Magic Johnson, representante da vibrante e multicultural Califórnia, que, além de ser um dos maiores armadores da história, tornou-se um símbolo global ao revelar, em 1991, que era portador do HIV.
Outro time emblemático dessa era foi o Detroit Pistons, conhecidos como os “Bad Boys” por seu estilo de jogo físico e agressivo. Liderados pelo lendário Isiah Thomas, eles desafiaram as superestrelas da liga e conquistaram dois títulos consecutivos em 1989 e 1990, tornando-se os vilões perfeitos em uma NBA repleta de heróis.
Mas a verdadeira ascensão global do basquete aconteceu nos anos 1990, período de maior popularidade da NBA, inclusive no Brasil. Foi graças ao saudoso Luciano do Valle, um narrador visionário, que o basquete chegou às transmissões da TV aberta, cativando uma nova geração de fãs. Essa era foi definida pelo maior jogador de todos os tempos: Michael Jordan. Com seu carisma, técnica impecável e sede insaciável por vitórias, Jordan elevou o basquete ao patamar de espetáculo global, levando os Chicago Bulls a conquistar seis títulos entre 1991 e 1998.
Outro marco dos anos 90 foi o Dream Team das Olimpíadas de Barcelona em 1992, considerado o maior time de basquete já reunido. Com lendas como Jordan, Magic Johnson, Larry Bird, Charles Barkley, Karl Malone, Scottie Pippen e Patrick Ewing, os Estados Unidos mostraram ao mundo a grandiosidade do esporte, vencendo todos os jogos com larga vantagem e consolidando a NBA como um fenômeno global.
Outros grandes times e atletas também marcaram época. Nos anos 2000, Kobe Bryant se tornou o sucessor espiritual de Jordan, enquanto Shaquille O’Neal dominava os garrafões. Já nos anos 2010, a ascensão de LeBron James e das super equipes, como o Golden State Warriors de Stephen Curry, redefiniu a NBA mais uma vez.
O basquete, antes marginalizado, tornou-se um império global, e seus unicórnios—jogadores raros e excepcionais—seguem encantando o mundo com sua genialidade.
O conceito de “unicórnio” no basquete surgiu com a transformação do papel do pivô. Antes, essa posição era dominada por jogadores imponentes e fisicamente avassaladores, como Wilt Chamberlain e Bill Russell, que construíram suas carreiras com força, rebotes e domínio do garrafão. No entanto, nos anos 2000, uma nova tendência começou a se formar: um pivô não apenas forte, mas também habilidoso, versátil e com capacidade de arremessar de longa distância.
Essa revolução teve um de seus marcos em Dirk Nowitzki, lendário jogador alemão do Dallas Mavericks. Com 2,13 metros de altura, ele desafiou as convenções ao se tornar um dos melhores arremessadores de perímetro da NBA, algo impensável para um jogador de sua posição até então. Nowitzki era um maestro em quadra: pegava rebotes, distribuía passes com visão de jogo e tinha um arremesso mortal de qualquer parte do perímetro. Seu icônico fadeaway (arremesso em recuo) era indefensável. Em 2011, liderou os Mavericks a um título histórico contra o Miami Heat de LeBron James, Dwyane Wade e Chris Bosh, provando que um grandalhão poderia ser a peça central de um time campeão.
Após a década de 2010, o jogo da NBA passou por outra revolução—desta vez, voltada para o arremesso de três pontos. Se antes o basquete era físico, baseado na batalha dentro do garrafão, agora ele privilegiava a movimentação rápida e o chute de longa distância. Essa transformação foi liderada pelo Golden State Warriors, cujo estilo de jogo ficou eternizado na dupla “Splash Brothers”—apelido de Stephen Curry e Klay Thompson, uma referência ao som da bola caindo na cesta, o famoso “splash”.
Sob o comando do técnico Steve Kerr, os Warriors conquistaram quatro títulos da NBA (2015, 2017, 2018 e 2022), mudando a forma como o basquete era jogado. Stephen Curry, em especial, tornou-se o maior arremessador de três pontos da história, quebrando recordes e redefinindo os padrões da liga. Com essa mudança, os pivôs tradicionais precisaram evoluir—não bastava mais ser um gigante forte no garrafão, era necessário saber chutar de três, ser ágil e ter visão de jogo.
Foi nesse contexto que surgiram os verdadeiros “unicórnios”, jogadores altos, versáteis e que podiam fazer de tudo em quadra. Kevin Durant, com 2,08m, é um dos primeiros unicórnios modernos. Embora seja tecnicamente um ala, combina altura, envergadura e habilidades de armador. Com um arremesso refinado, velocidade e defesa versátil, ele se tornou um dos jogadores mais letais da NBA, conquistando dois títulos com os Warriors (2017 e 2018).
Nikola Jokić (2,11m) redefine a posição de pivô ao trazer uma visão de jogo de armador para um jogador de garrafão. Com sua inteligência tática e passes inacreditáveis, levou o Denver Nuggets ao primeiro título da franquia em 2023, além de ser eleito MVP da temporada em 2021 e 2022.
Kristaps Porziņģis (2,21m), apelidado de “Unicórnio” por seu estilo de jogo, combina altura impressionante com arremesso de três pontos e defesa de elite. Embora tenha enfrentado lesões ao longo da carreira, seu impacto como pivô moderno é inegável.
Victor Wembanyama (2,24m), considerado um dos maiores prospectos da história, foi a primeira escolha do San Antonio Spurs no Draft de 2023. Com uma combinação surreal de altura, controle de bola e chute de longa distância, representa a próxima geração de unicórnios.
Karl-Anthony Towns (2,11m) é um dos pivôs mais versáteis da liga. Ele se destaca pelo arremesso de três pontos e sua habilidade de jogar dentro e fora do garrafão. Foi eleito Rookie do Ano em 2016 e continua sendo uma peça fundamental no Minnesota Timberwolves.
A NBA passou de uma liga dominada por jogadores físicos e especialistas para um cenário onde os atletas mais valorizados são aqueles que reúnem habilidade técnica, altura e versatilidade. O unicórnio, antes um símbolo do extraordinário e do inalcançável, tornou-se a personificação do jogador de basquete moderno: um atleta raro, completo e capaz de transformar o jogo como conhecemos.
No futebol americano, assim como no basquete, o jogo passou por uma revolução, especialmente na posição mais icônica do esporte: o quarterback. Tradicionalmente, esse jogador era visto como um estrategista preciso, cujo papel principal era lançar a bola com exatidão para seus recebedores. Essa era simbolizada por lendas como Joe Montana, o lendário quarterback do San Francisco 49ers, cuja precisão nos passes e calma sob pressão o tornaram um dos maiores de todos os tempos.
Montana atuava dentro do pocket, a “bolha de proteção” formada pelos jogadores da linha ofensiva, cuja função era impedir que os defensores adversários o derrubassem. Essa barreira de bloqueadores lhe garantia preciosos segundos para encontrar seu alvo e fazer lançamentos cirúrgicos. Para quem não está familiarizado com a mecânica do jogo, basta lembrar do icônico episódio de Chaves, onde Seu Madruga tenta ensinar futebol americano, ressaltando a importância da proteção ao lançador.
Contudo, a NFL atual transformou completamente o papel do quarterback. O que antes era uma posição quase estática, baseada apenas na leitura do jogo e precisão dos passes, agora exige atleticismo, mobilidade e criatividade. Hoje, os melhores quarterbacks não apenas lançam a bola dentro do pocket, mas escapam da pressão, lançam em movimento, correm para ganhar jardas e desafiam até as leis da física ao lançar contra o próprio movimento corporal.
Nessa nova era, surgiram verdadeiros “unicórnios”, jogadores que combinam atleticismo, inteligência e uma habilidade quase sobre-humana.
Lamar Jackson, do Baltimore Ravens, é um dos quarterbacks mais dinâmicos da história da NFL. Jackson é uma ameaça dupla: além de ter um braço potente, sua velocidade e agilidade o tornam praticamente um running back jogando como quarterback. Em 2019, foi eleito MVP da temporada, sendo o segundo jogador da posição a correr para mais de 1.000 jardas em um único ano.
Patrick “Magic” Mahomes, do Kansas City Chiefs, é considerado por muitos como o quarterback mais talentoso de todos os tempos. Mahomes desafia qualquer conceito tradicional da posição. Seus lançamentos sem olhar, passes em ângulos impossíveis e jogadas improvisadas fazem dele um verdadeiro fenômeno. Com apenas 28 anos, já conquistou três títulos do Super Bowl (2019, 2022 e 2023) e foi eleito MVP da liga duas vezes.
Joe “Cool” Burrow, do Cincinnati Bengals, é diferente dos outros. Ele não é o mais atlético, nem o mais rápido, mas sua elegância, precisão e frieza sob pressão fazem dele um dos mais completos quarterbacks da atualidade. Seu apelido, “Joe Cool”, vem de sua capacidade de manter a calma em qualquer situação, liderando os Bengals ao Super Bowl em 2021, algo impensável para a franquia até então.
Essa revolução mudou completamente a maneira como a NFL é jogada. Se antes os quarterbacks eram apenas cirurgiões de passes, agora eles são artistas do improviso, combinando técnica, mobilidade e inteligência em campo. O unicórnio, nesse caso, é aquele que transcende as expectativas da posição e redefine os limites do que um jogador pode fazer.
No futebol, o maior unicórnio de todos os tempos não exige muita reflexão para ser respondido. Edson Arantes do Nascimento, o Atleta Perfeito, uniu como nenhum outro a física e a técnica em sua expressão sublime de jogo. Pelé não apenas dominou o campo com sua habilidade, mas personificou o conceito de unicórnio no esporte, tornando-se sinônimo de excelência.
Outro grande exemplo foi Ronaldo Nazário, o Fenômeno, cujas arrancadas poderosas e explosivas lhe conferiram o apelido. Antes das lesões que marcaram sua carreira, Ronaldo possuía um poder de brilho surpreendente, com uma habilidade de desequilibrar os adversários de uma forma que poucos podem rivalizar. Seu estilo de jogo era uma mistura de força e leveza, refletindo um talento raro.
E não podemos deixar de mencionar Johan Cruyff, cuja contribuição para o futebol foi imensurável. Embora não fosse fisicamente imponente e tivesse até o hábito de fumar, Cruyff era um gênio tático, capaz de desempenhar múltiplas funções em campo com elegância. Ele representou o futebol total, jogando de forma fluida e intuitiva, como se o jogo fosse uma dança que ele conduzia com maestria.
Na vida real, embora mais difícil de encontrar devido às pressões da sociedade e ao ambiente que muitas vezes não permite a exibição de tais características, ainda podemos perceber um brilho singular que parece vir de dentro. Esses unicórnios da vida cotidiana são aqueles que, apesar das dificuldades, unem conteúdo, elegância e até uma boa aparência, cuidando do corpo e da mente. Eles são exemplos de originalidade e autenticidade, sempre se destacando por sua liberdade criativa e a capacidade de transformar o ordinário em algo extraordinário.
São verdadeiros unicórnios em extinção, mas sua luz permanece, lembrando-nos que a busca pela excelência e pela singularidade nunca foi apenas um mito. Alguns, inclusive, um, para ser mais preciso, publica no Recanto, e acabou de escrever esse belo texto informativo.