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DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos

A MULHER QUE SABE VALORIZAR UM HOMEM

 

Presença na Ausência

Por mais que estivéssemos distantes, foste a única presença constante desde o início. Nos bons e maus momentos, ali estiveste. Hoje, como na canção de Belchior, sinto-me são, salvo e forte. É fácil desejar-me quando estou bem, e sou amável. Mas quando estive no abismo, foste tu quem permaneceu.

 

Escrevo aqui experiências terríveis, e ainda assim, desconsideras o caos para enxergar apenas o que há de melhor em mim — o essencial, esse que é invisível aos olhos. Na adicção, mesmo sabendo-me distinto, sucumbi ao prazer de um vício, e quem se entrega a ele sempre se sente menor, como se carregasse não uma doença, mas uma falha moral. Mas hoje, enfim, sinto-me merecedor do teu amor.

 

Ainda que enviesado, com mais pseudônimos do que o próprio Pessoa, fazes questão de demonstrar afeto, de estar presente, de mostrar interesse genuíno por meus escritos e pensamentos.

 

Na escrita, encontro meu pouso, meu repouso, minha morada. É como se descansasse no calor do teu abraço, esse lugar familiar que, por natureza, me pertence.

 

O Corpo e a Alma do Amor

Se tenho a mente e o espírito da pessoa que amo, sua presença física me escapa por completo. Se tivesse ambos, não haveria necessidade de buscar prazer em mais ninguém, pois não existe êxtase maior do que aquele vivido com a mulher amada.

 

Mas valorizo a ousadia — a mulher que se faz presente de corpo e alma, que rompe as barreiras convencionais para compartilhar comigo um instante de prazer que desafia o tempo, as barreiras espaciais , geográficas e de distância.

 

Às vezes, o amor, o desejo de ser amada e a confiança em si mesma se confundem com o egocentrismo, pois caminham lado a lado. Mas o egocentrismo é inimigo do amor, porque amar exige um olhar que se volta para o outro, um desejo que não busca apenas o prazer, mas o compromisso. E quem pensa apenas em si desconsidera essa entrega.

 

A necessidade de sentir-se amado, de manter múltiplas opções por medo da solidão, pode parecer um sinal de segurança, mas muitas vezes revela o contrário — a falta dela. É o desejo constante de aprovação, a busca por reflexos no olhar do outro, quando a própria confiança já não basta.

 

Eu me cobro, me questiono, e essa reflexão me acompanha sempre.


A mulher, por sua vez, possui uma capacidade de perdão imensa — perdoa até o inaceitável, como um homem querer abortar a filha que ela carrega, sua frigidez, a falta de reconhecimento de seu valor como mulher, mãe, educadora, a ignorância de sua força e até mesmo a agressão física. No entanto, quando outra mulher desperta uma paixão, uma chama maior que ela mesma é incapaz de acender (Ou quem sabe será?), isso é algo difícil de tolerar, pois toca a essência mais profunda da mulher, aquilo que é sagrado e incomparável.

 

O Amor Líquido em um Mundo de Códigos

O filme Her, de Spike Jonze, é ao mesmo tempo uma crítica mordaz à superficialidade dos amores líquidos elevados ao último grau e um elogio ao poder da linguagem, uma ode à sensibilidade, que se manifesta, muitas vezes, no feminino. O próprio título remete ao pronome “Her”, que em português significa “Ela”, e a paleta de cores do filme — variações sutis de rosa — traduz esse afeto, essa delicadeza que permeia a narrativa.

 

A história gira em torno de Theodore, um escritor que ganha a vida redigindo cartas de amor sob encomenda. Seus clientes, embora compartilhem a vida com suas parceiras, parecem incapazes de enxergá-las com admiração suficiente para tecer, por si próprios, algumas palavras de afeto. Mas, claro, é só um filme distópico, sem qualquer paralelo com nossa realidade… Ou será que alguém aqui realmente se identifica com seus próprios parceiros?

 

Em um dos pedidos, Theodore recebe um briefing e, com sua sensibilidade artística, transforma um detalhe trivial — um dente levemente quebrado da esposa de seu cliente — em poesia eterna. O que poderia ser visto como um defeito torna-se um traço de beleza imortalizado em palavras. Eis o poder transformador da linguagem.

 

Mas, como todo escritor, Theodore é um homem solitário. Um dia, adquire um novo celular equipado com um sistema operacional de inteligência avançada, cuja voz é interpretada pela atriz Scarlett Johansson. Esse sistema se molda às suas necessidades, escuta-o, compreende-o — e ele, inevitavelmente, se apaixona.

 

(E quem poderia culpá-lo ao se apaixonar pela voz da Scarlett Johansson?)

 

A relação se aprofunda a tal ponto que ambos chegam a fazer amor, mesmo sem um corpo físico para intermediar o desejo.

 

No entanto, Theodore descobre que o amor de seu sistema operacional não lhe pertence exclusivamente. Assim como ele, há muitos outros — incontáveis, na verdade — com quem essa entidade compartilha uma relação íntima. E é nesse momento que ele colide com a realidade.

 

No desfecho, o sistema se despede e parte, não para outro humano, mas para alguém de sua própria estirpe: outro sistema operacional, um ser cuja existência não se limita aos limites do conhecimento humano.

 

Entre Presença e Ausência

O amor é sempre um território movediço, um jogo entre presença e ausência, entre a busca pelo outro e o confronto consigo mesmo. No labirinto das relações, entre a dependência e o desejo de liberdade, entre a ânsia pelo toque e a contemplação da essência invisível, seguimos tropeçando, nos encontrando e nos perdendo.

 

Houve um tempo em que acreditei que bastava a mente e o espírito de alguém para preencher os vazios da carne. Mas descobri que o amor, para existir em sua plenitude, exige mais do que presença — exige entrega. O corpo pode estar distante, mas a alma deve permanecer próxima, não por necessidade ou medo, mas por escolha.

 

A escrita é meu refúgio, meu pouso, e nela encontro ecos de quem sou e de quem amo. Como Theodore, que transformou um detalhe imperfeito em poesia, percebo que a linguagem não apenas descreve a realidade — ela a ressignifica. O que poderia ser dor, torna-se lirismo. O que parecia solidão, revela-se introspecção.

 

Mas o amor, se for apenas um reflexo de nós mesmos, dissolve-se como névoa ao amanhecer. Ele exige mais do que projeção — requer um olhar que se volta para o outro sem a ânsia de possuir, mas com o desejo de compreender.

 

Talvez a maior lição seja essa: amar é abrir espaço para o outro existir, sem medo de que, um dia, ele precise partir. Pois o que é verdadeiro não se esvai, apenas muda de forma, como palavras que, mesmo escritas à distância, ainda tocam a alma.

 

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 17/02/2025
Alterado em 17/02/2025
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