Há um charme quase pueril na mulher que arde em desejo, pronta para se entregar ao prazer — ou talvez ao amor —, mas que, por razões diversas, se faz de difícil. Pode ser o instinto de se valorizar, o compromisso com a fidelidade, o medo de se decepcionar ou de entregar-se a alguém que não mereça. Mas, como dizia Clarice Lispector, “o amor não é prêmio” — e a conquista também não deveria ser um troféu a ser disputado.
Há algo de sagrado na hesitação, no jogo de olhares que se desviam apenas para voltarem a se encontrar, no leve recuo antes do inevitável avanço. O desejo cresce na incerteza, na dança entre o querer e o resistir. Como na cena icônica de Ligações Perigosas, em que Madame de Tourvel, após tanta relutância, finalmente cede ao Visconde de Valmont sobre a mesa — um instante em que o orgulho se dissolve e sobra apenas o arrebatamento.
Porque, quando a entrega é absoluta, não há mais dilema. Só o puro deleite.
Não obstante, a mulher apaixonada — ou ao menos interessada — dá sinais claros de desejo. Exibe sua beleza com mais intensidade, torna-se mais presente nas redes sociais, publica fotos ressaltando seus encantos, muda a imagem de perfil com mais frequência. Antes discreta, quase anônima, agora se faz notar.
As mais confiantes e ousadas chegam a enviar mensagens eróticas ao objeto de desejo, como se tentassem transformar amor em mero prazer físico, negando o real sentimento que arde por trás da pele.
Mas sem confiança, não há troca possível — nem de afetos, nem de tesão.
E há também aquelas que, por medo ou orgulho, preferem fazer-se difíceis, enganando a si mesmas e ao que sentem. Fogem do olhar do amado como se ele fosse a bala de prata ao Drácula, como se a paixão precisasse ser combatida e não vivida. Imita-se um comportamento infantil, quase instintivo, igual às meninas que, ao verem quem amam, coram as faces ou se escondem atrás das saias da mãe.
Não há nada de errado em fazer charme, em se valorizar. O problema está em se esconder de quem realmente se deseja e, para preencher a lacuna desse afeto reprimido, entregar-se ao primeiro que aparece no caminho. Alguém que, muitas vezes, está muito aquém do ideal, alguém que não oferece sequer o mínimo. Apenas um corpo, um desejo fugaz, um sexo sem alma — um homem que não é mais do que um pênis balançando entre as pernas e nada além disso.
É bom lembrar que, depois do orgasmo, há um silêncio — e esse silêncio pode ser preenchido de duas formas. Pode ser rompido pela companhia agradável de um amante que tenha algo a dizer, que valorize a presença da mulher, que a faça sentir-se confortável, como se estivesse ao lado de um melhor amigo. Alguém que provoque um sorriso espontâneo, que a entretenha com uma história envolvente ou que, quem sabe, eternize o momento com uma poesia.
O amante ideal não se veste às pressas, como quem apaga um incêndio e parte sem olhar para trás. Ele desliza as roupas sobre o corpo com calma, como se lamentasse o desperdício do calor da amada, como se quisesse prolongar o instante, como se vestir-se fosse um adeus indesejado. E, antes de qualquer despedida, sela o encontro com um último beijo na boca, como quem saboreia um gole final de vinho.
Mas também há outro tipo de silêncio — o silêncio constrangedor de quem não tem nada a compartilhar além de fluidos. O vazio de um corpo que se esgota sem deixar vestígios.
Ou talvez, em vez de silêncio, reste apenas o som da noite recomeçando — se o amante for um touro indomável, pronto para saciar todos os desejos até o amanhecer.
Mas a verdade é que, ao fugir de mim, a pessoa está, na realidade, fugindo de si mesma. Procurar em outros o que só poderia encontrar em mim será apenas um ciclo de frustrações e desperdícios. Porque, se eu pudesse ser mimetizado, se houvesse dois de mim, eu gostaria de ser outra pessoa!
Então, o que resta? Entregar-se ao primeiro que aparece, alguém que não saberá valorizar sua beleza, seu corpo escultural, sua inteligência. Alguém que não é merecedor dela.
Como amante das mulheres — mais propriamente, de uma —, se eu soubesse que ela se entregaria a alguém que realmente valesse a pena, que soubesse tratá-la como merece, eu ficaria tranquilo, satisfeito. Mas, na maioria das vezes, o que acontece é o oposto: escolhem alguém que sequer oferece o mínimo, um arremedo de homem, alguém sem gosto, sem essência.
Lembro-me de O Segredo dos Seus Olhos. No filme, o criminoso consegue ocultar tudo — sua identidade, seus rastros, suas intenções. Mas há algo que o condena: sua paixão. Ele não consegue disfarçar o amor que sente pelo Racing Club, seu time do coração. É essa obsessão que o entrega.
E assim somos todos. Podemos fingir indiferença, podemos tentar fugir de quem somos, mas, no fim, nossas paixões nos traem. Sempre haverá algo que nos denuncia.
Um homem se constrói através das suas paixões, e elas não podem ser superficiais. Não consigo conceber um homem sem opinião, sem personalidade, que não tenha gosto, hobbies, predileções, preferências — mesmo que sejam coisas simples. Uma tosca, mas genuína, como colecionar selos, sei lá, ou pescar. Desde que ele faça isso com afinco, determinação e conhecimento. É preciso se aprofundar nas nossas paixões, não ser leviano, para melhor desfrutá-las.
Eu não consigo me imaginar amando futebol sem entender a história e a origem do esporte. Sem ter lido sobre a história do negro no futebol, como a trajetória de jogadores que superaram barreiras, como o irmão de Nelson Rodrigues, Mário Rodrigues, que dá nome ao Maracanã, e a transição do futebol amador para o profissional. Conhecer como o capitalismo moldou a técnica e a tática do futebol, saber quem foram os maiores técnicos e jogadores da história. A mesma coisa se aplica ao meu clube do coração.
Porém, há pessoas cujo maior conhecimento é justamente a falta de conhecimento. Para tudo. E assim é com tudo: literatura, cinema, filosofia — todas as minhas paixões. Até as mulheres, que um dia pretendo entender, inclusive aquelas que fazem o charme de se mostrarem difíceis.
Fica a pergunta: será que elas ganham mais com isso, com orgulho, ou se entregam à felicidade de amar? E fazer-se difícil comigo só desvaloriza a ambos.