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DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos

A LENDA DE QUE SOU DESEJADO E COBIÇADO 

O Mito do Homem Desejado

Ontem, após uma noite agradabilíssima ao lado de minha amiga e leitora, perguntei a ela o que achava do caso da professora que apagou sua conta. Será que foi por minha causa?

 

Ela, com a elegância de quem sabe que certas questões pertencem apenas a seus protagonistas, respondeu que, por ser casada, preferia não se aprofundar no assunto. Mas acrescentou algo curioso: achava que eu deveria ser um homem muito cobiçado e desejado.

 

Sinceramente, esse é um mito, uma lenda que nunca compreendi bem de onde tiram.

 

Entre Espelhos e Olhares

Se sou desejado, cobiçado e até amado, essa admiração não se concretiza na prática, no dia a dia. A verdade é que sou, em essência, um homem solitário. Mas se percebo olhares? Sim, isso acontece.

 

Meu amigo de infância costumava se espantar com as garotas com quem eu ficava nos tempos do curso de inglês. Quando eu mostrava uma foto das garotas com as quais me relacionava, ele se surpreendia. E quando saíamos juntos e ele notava que alguma mulher me olhava, que me secava com os olhos, sua reação era sempre a mesma: indignação e espanto—“Como pode? Um negro de bigode!”

 

E se, no fim, sou apenas isso? Um negro de bigode. Sei bem. Tenho plena consciência de que não carrego aquela beleza clássica, escultural, inquestionável, digna de capas de revista. Mas também sei que meu rosto é simétrico, harmônico à sua maneira. Se procurassem um modelo de feições mais exóticas, uma estética latina de traços fortes, será que eu não me encaixaria?

 

A Arte de Atrair Sem Ser Convencional

Não chamo atenção pela compleição física, não sou um homem de músculos volumosos ou de força ostensiva. Mas sou esguio, esbelto. Os contornos do meu corpo são firmes, os músculos, definidos o suficiente para dar ares de resistência. Ombros largos, postura altiva. Uma aparência atlética e saudável, ainda que herde, por genética, uma leve protuberância abdominal—facilmente camuflada pela escolha certa de roupa.

 

E é nesse quesito que me destaco: elegância.

 

Dizem que o bonitinho é o feio bem arrumado, mas sou mais do que isso. Muito mais do que apenas um arrumadinho. Minha elegância não é exagerada, tampouco despretensiosa; ela é sóbria, singular, única. Adequa-se a cada ambiente, respeita o contexto e comunica algo de mim sem que eu precise dizer uma palavra. 

E uma prova disso é que as crianças não mentem, não é? Hoje mesmo, uma delas me viu chegando e exclamou: “É esse o doutor, mãe!”.

 

Pobre criança… Mal sabe ela que os médicos, muitas vezes, têm um gosto duvidoso, parecendo mais pais de santo.

 

Talvez seja por isso que atraio olhares. Não necessariamente por uma beleza convencional, mas por algo mais. Porque, no final, sou só um negro de bigode—ou melhor, um moreno dourado com uma barba digna de um quadro de Caravaggio.

 

A Estética do Intelecto

Mas minha verdadeira arma não está na estética. Está no engenho.

 

Criatividade.

 

Tenho essa coisa de ser bonito pelo intelecto, pelo que digo e pelo que penso. Minha presença se desenha não apenas no rosto, mas na boca que fala, nas ideias que deslizam como versos. Sou, em essência, um pensamento em movimento, um discurso em construção.

 

Leminski já dizia:

 

“Moinhos de versos,

movidos a ventos,

em noites de boemia,

vai vir um dia,

quando tudo que eu diga seja poesia.”

 

E talvez seja isso. O que me torna interessante é essa confluência de linguagem e presença, essa tessitura de ideias e gestos que compõem o mito de que sou requisitado, cobiçado, desejado.

 

Mas nada poderia ser mais falso.

 

Ou, pior, nada poderia ser mais cruel.

 

O Fardo da Ilusão

Porque essa ilusão me condena. Aquele que se acredita desejado torna-se intocável. O que parece ser uma virtude se transforma em maldição.

 

A mulher que me ama hesita, teme se decepcionar, teme ser trocada antes mesmo que algo se concretize. E aquelas que sequer me conhecem—como a professora, que apagou sua conta e desapareceu—desistem antes mesmo de me dar a chance de existir para elas.

 

Por medo.

 

Por ciúmes de um fantasma.

 

Por uma imagem que nunca foi real.

 

Bú! Se assustaram?

 

O Poder da Palavra

É claro que sou confiante e plenamente consciente das minhas capacidades. Sei que qualquer mulher que se disponha a me ouvir, que me conceda sua atenção genuína, encontrará em mim alguém capaz de transformar uma conversa trivial em algo memorável. Sei valorizar uma interlocutora, mostrar-lhe que sou diferente de tudo que já cruzou seu caminho.

 

Mas há um ponto essencial: ela precisa, no mínimo, estar disposta. Uma conversa não se constrói sobre monossílabos. Algumas são verdadeiros desertos de ideias—incapazes de articular algo interessante, áridas demais para despertar meu esforço em transformar o diálogo. Com essas, o interesse se dissipa antes mesmo de nascer.

 

Outras, por sua vez, não enxergam meu valor de imediato, pois se prendem aos aspectos puramente físicos e, à primeira vista, talvez eu não tenha chamado atenção. Mas sei que até essas eu poderia cativar.

 

Afinal, trago repertório, conteúdo. Sei o que dizer e, mais do que isso, sei como dizer. Dominar a arte do elogio é compreender a beleza da linguagem, e sei que as palavras, quando bem escolhidas, são irresistíveis. Toda mulher, por mais que se julgue distante da sensibilidade poética, reconhece o momento em que se encontra diante do belo.

 

O Medo da Felicidade

Mas há as que temem. Algumas, amedrontadas pela possibilidade da desilusão, escolhem a fuga antes mesmo de se arriscar. Outras, acovardadas por sua própria insegurança, preferem me evitar a enfrentar o amor e a felicidade que eu poderia proporcionar.

 

Muito diferentes da minha leitora de ontem—de quem não tenho dúvidas de que teve uma noite maravilhosa. E, se ela quiser, repetiremos. Com mais intensidade.

 

A Lingerie e o Mistério do Desejo

A conversa deslizou suavemente até o tema da escolha da roupa íntima. Ela, que nunca foi adepta ao thong—talvez porque seu marido jamais tenha pedido—prefere a nudez.

 

Sinceramente, sempre me intrigou esse imediatismo de quem quer ver o outro despido de imediato, como se a pressa não traísse a própria experiência do desejo. Talvez seja uma insensibilidade à beleza dos contornos femininos, à sensualidade silenciosa de uma peça ousada, ao jogo sutil da imaginação.

 

Porque o prazer, tantas vezes, não está no ápice, mas no caminho até ele. Está no entre. No toque. Nos afetos. No sentir. No ver. No ser. No estar junto.

 

A nudez entregue de imediato é como um orgasmo sem prelúdio, um desfecho sem trama. A lingerie é a promessa do prazer, o vislumbre do corpo antes da revelação completa.

 

Ela revela entregando-se aos poucos, lentamente, como um segredo desvendado em etapas, sem a pressa ansiosa de quem queima etapas e perde o melhor do percurso.

 

O sexo não é só gozar. O sexo é entrega.

 

É pele contra pele, fluidos se misturando, lençóis umedecidos.

 

Em outras palavras—é meter bem gostoso mesmo!

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 14/02/2025
Alterado em 14/02/2025
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