Trago más notícias para as amantes das letras e os sonhadores: não vivemos tempos propícios para nós, homens da linguagem. A era não nos favorece. É tempo de versos fracos e desprovidos de alma, de textos vazios que ecoam o nada, repletos de erros de português e pensamentos que não chegam a lugar algum. A música perdeu sua inquietação, a filosofia esqueceu sua vocação para a provocação, e o senso comum impera, esmagando qualquer centelha de reflexão.
Se ao menos soubéssemos ouvir os ecos do passado, veríamos que a própria arquitetura das nossas cidades já nos conta essa história. Em Casa-Grande & Senzala e Sobrados e Mucambos, Gilberto Freyre desenha, com a precisão de um arquiteto e a sensibilidade de um historiador, como as favelas e o caos dos sobrados são espelhos da relação entre senhores e escravizados. O puxadinho de hoje não é um mero improviso, mas a herança concreta e cruel da casa-grande.
Uma memória de tijolo e argamassa, perpetuada porque, ao fim da escravidão, não se implantaram políticas adequadas para acolher os libertos. Sem terra, sem teto, sem rumo, restou-lhes a reprodução da marginalidade.
O que é um país senão sua linguagem e sua paisagem? Se as palavras perderam o brilho e a cidade cresceu como um labirinto de desigualdades, talvez seja porque nunca resolvemos de fato as raízes de nossa história.
Por um tempo, tentei encontrar refúgio no Recanto das Letras, como quem busca um símbolo de resistência. Mas a verdade é implacável: a plataforma, assim como o próprio Brasil, não escapa de sua sina. O Recanto não passa de uma extensão das redes sociais, dominado pela verborragia dos famosos textões de Facebook—textos que têm a profundidade de um pires.
Os autores, talvez constrangidos pela falta de adesão, de curtidas e até por reclamações que seus escritos enfrentam nas plataformas de Zuckerberg, decidiram poluir a atmosfera literária do Recanto com esse mesmo conteúdo superficial. O resultado? Uma avalanche de textos vazios que sufoca aqueles que, com maior rigor e preocupação estética, tentam oferecer algo de valor.
Tome como exemplo meu último texto, em que evoquei as carreiras do The Strokes e do Blur, traçando paralelos com trajetórias alternativas e do cinema. Escrevi-o de cabeça, mas sem abrir mão do compromisso com dados reais e com a solidez da língua portuguesa. Era mais que uma crônica: era um artigo cultural e musical, uma crítica, um texto informativo. E, com todo respeito, merecia ser lido.
O Recanto das Letras é, em tese, um espaço democrático, mas, no fim, o que adianta gastar trinta minutos escrevendo algo que sequer permanecerá esse tempo na página principal? Em questão de instantes, meu texto é soterrado por uma enxurrada de publicações que caberiam melhor no Twitter ou no Instagram—textos de autoajuda, frases motivacionais, pensamentos rápidos, efêmeros, sem qualquer compromisso com a linguagem ou com a reflexão.
É decepcionante.
Como diz Nietzsche, todas as espécies, até agora, criaram algo além de si mesmas. Mas e nós, humanos, que somos criaturas de linguagem—seremos a vazante que resiste a essa maré? Preferiremos retroceder ao macaco a superar o homem?
Entre nós, há muitos que ainda são amebas—não buscam valores que transcendam, não no sentido de algo além do mundo físico, mas na transcendência dentro da imanência, naquilo que há de extraordinário na própria realidade. A grandeza não está em mundos inventados ou paraísos imaginários, mas na teratologia da existência, na beleza que se revela no que é terreno.
Uma espiritualidade laica.
E ela é alcançada pela linguagem, que, em sua arquitetura invisível, carrega um poder quase místico. Quem domina as palavras, domina o próprio destino. Como sempre digo: a língua, quando bem conduzida, pode tudo. E há um prazer imenso nisso—um prazer que só a linguagem pode proporcionar. Sensorial até sexual, e uma coisa leva a outra.