Dizem que uma das grandes armadilhas para um adicto é continuar se comportando como um dependente, mesmo estando sóbrio. E, sem ilusões, é exatamente isso que estou fazendo. Troco a substância pelo comportamento, a fuga pelo excesso. E agora, a promiscuidade me espreita. Abro as asas para qualquer uma, sem critério, sem valor, como se estivesse distribuindo partes de mim ao acaso, desconsiderando o momento que estou vivendo.
Mas que valor tem quem não se mostra? Quem se esconde atrás de perfis sem rosto, de sombras digitais? Como saber se o sapo pode ser um príncipe, se nunca vemos sua imagem? Há algo de covarde em quem não se expõe, em quem tem medo da própria aparência. Porque, no fundo, o que nos atrai não é só a estética, mas a coragem de se permitir ser visto.
Eu, por exemplo, exibo minhas imagens ao escrutínio público desde a infância, passando pela adolescência, pela juventude magra e com espinhas, pela fase pré-adulta, adulta, até os dias de hoje. Minhas fotos incluem minha família, sobrinhos e até amigos, às vezes com autorização, outras não, preservando nomes ou não.
E falando em ser visto… Quem realmente ama, observa. Quem deseja, repara. Quem quer estar presente não precisa de convites formais—se faz presente no cotidiano, nos detalhes. Quem não lê o que escrevemos, não enxerga o que somos. Quem não comenta, não elogia, não percebe quando o cabelo mudou ou quando o tom das palavras ficou mais denso, já não está mais aqui, mesmo que ainda habite a moldura da relação.
Agora eu percebo que gasto meu tempo elogiando mulheres que não fazem questão de retribuir meus elogios, o tempo que dispensei e que não me valorizam. Talvez valorizem mais a presença dos seus parceiros, que nem mesmo se fazem presentes, demonstrando interesse pelos seus escritos, elogiando sua capacidade intelectual ou incentivando com um simples comentário. E eu imagino como ele é no dia a dia, para perceber os detalhes e mudanças do seu visual, cabelo, perfume, que devem passar totalmente despercebidos.
E é no detalhe que a mulher brilha, e é uma pena que não tenha ninguém para elogiar. Um companheiro desses só desvaloriza a mulher. Mas, em certa forma, a culpa é dela, pois é seu papel escolher e estabelecer o real valor das coisas. O que vale a pena é o que vale; passar por uma curadoria afetiva, separar o joio do trigo. Não escolher um homem parcial, que saiba muito sobre uma coisa, como um médico que domina uma especialidade, como pediatria, mas não enxergue além dissio, nada além da sua profissão. Sua cultura é sua profissão, e nada mais.
Não há mais a preocupação de ser um homem inteiro, completo, cujo desejo queime intensamente como fogo, como uma vela. No fundo, o que falta é essa busca por algo mais profundo, mais integral, que transcenda o superficial. Como se diz na boca da maloka, sou um jogador caro. Não posso me desvalorizar, abrindo as asas para qualquer uma como se estivesse na adição. Eu cuido do meu corpo e da minha mente, sou elegante, educado e culto, mas estou correndo atrás de uma mulher que prefere a companhia de alguém que não tem nada a ver com a combinação de beleza e conteúdo que eu possuo, além de porte físico, elegância e, mais importante, a capacidade de valorizá-la e tratá-la como uma dama. E, no entanto, sou eu quem tem que correr atrás, sem receber nenhuma retribuição. Os valores mudaram? O poste está mijando no cachorro?
Recentemente, adicionei uma garota no Instagram, alguém que conheci pessoalmente. Elogiei sua beleza e sua capacidade intelectual, destacando o quanto ela se mostrou disposta a estabelecer um contato, tendo sido ela a me pedir o Instagram para que pudéssemos continuar conversando. Como diz Clóvis de Barros Filho, é natural que nos atribuímos uma “nota” no mercado informal de afetos. Buscamos, preferencialmente, alguém de “nota maior” para nos valorizar. Por exemplo, alguém que se considera um “6” vai procurar alguém “7” para se sentir mais seguro. Esse processo, muitas vezes inconsciente, reflete como nos vemos e como enxergamos os outros.
Foi então que comecei a refletir sobre minha própria postura. Estava, de alguma forma, me desvalorizando ao fazer elogios, mas sem que houvesse reciprocidade. Fui ao Instagram dela para me comparar aos outros possíveis candidatos no mercado afetivo ao qual ela tinha acesso através de suas redes. Ao olhar os perfis, me senti superior a todos, tanto em aparência quanto em conteúdo.
Mas essa comparação não é apenas uma análise estética ou superficial. É sobre o quanto, no fundo, buscamos nos sentir valiosos na busca por afeto. E quando nos sentimos desvalorizados, a tendência é procurar referências externas para validar o que não encontramos em nós mesmos. Esse jogo de notas, de como nos posicionamos nas redes sociais, reflete mais do que apenas o desejo de atenção. Ele revela, na verdade, nossa busca incessante por um lugar no afeto do outro e, por consequência, nossa própria validação.
E ainda há aquelas que não sabem valorizar nossos comentários gentis e generosos porque se acham autossuficientes, talvez por pregarem um feminismo que “exala liberdade e independência”. Para elas, eu digo: não existe feminista independente ao ter suas mãos amarradas numa corda de cetim, na cama, igual em Atração Fatal, enquanto recebe sexo oral deste que vos fala—talvez sentindo o alto da minha virilidade e a minha meia barba roçar seu íntimo, contrastando com o toque delicado da minha língua. Nessa hora, não há discussão, não há guerra entre os sexos, apenas um acordo, consentimento e prazer mútuo. Melhor do que qualquer convenção da ONU.
E tem aquelas que, fazendo-se de difíceis, preferem me deixar em stand by ou simplesmente ignoram meus comentários e e-mails espirituosos, bem escritos e que fogem totalmente do banal, para privilegiarem elogios genéricos, palavras vazias de quem sequer sabe escrever. Ou, pior, para dar atenção à presença morna de seus companheiros, que nem se dignam a ler o que elas escrevem, que não têm interesse em suas ideias, que não as conhecem além da superfície. Como se ama alguém que não se dá o trabalho de conhecer os pensamentos que se revelam na escrita?
Eu não consigo entender.
Por isso, afirmo: seu companheiro, namorado, esposo pode até dizer que te ama, mas sou eu quem te lê. Porque sou eu quem te entende, quem comenta, quem enxerga o que passa despercebido e oferece o apoio que te é de direito e que te é sonegado. E, por isso, nada mais justo que eu desfrute dos prazeres sensuais que você pode proporcionar também.
No transporte público, há um instante em que os olhares se cruzam, e algo se move no ar. Uma faísca, um segundo de entendimento. E então, seguimos. Essa troca breve é mais sincera do que muitas relações que se arrastam na apatia do dia a dia.
Ontem mesmo, passei por colegiais: uma loira e uma morena em idade florescente e puber, com o rubor vermelho no rosto, que chamaram minha atenção apesar da pouca idade. Após a escada rolante que passamos juntos, não me aguentei e olhei para trás, para ver aquele quadro que me transportou à minha adolescência e me remeteu a épocas boas.
Deparei-me com o olhar da morena detida em mim no exato momento em que olhei para trás, e imediatamente ela desviou o olhar para a amiga loira, concedendo um sorriso. Essa aprovação puberal envaidece minha vaidade e para isso serve o transporte público.
Ontem, uma morena de uns 16 anos, com aliança no dedo, à minha esquerda, não olhava para outra direção senão para o lado em que eu estava, mesmo com a mãe presente, e para baixo, mirando minhas partes mais íntimas, em olhares escusos que não disfarçavam muito bem. Até que ela teve a audácia de filmar a minha região do baixo ventre por alguns segundos.
O que ela ia fazer com as imagens me escapa, mas, concomitante ou a seguir, falou com o namorado. E como sei ler a linguagem corporal, ao mesmo tempo, ela passava a mão no cabelo e no pescoço, zonas erógenas, e, segundo Arthur e Bárbara Prass, isso significa inconscientemente as áreas que ela gostaria de ser tocada.
Como estava perto de descer, passei para o lado direito, perto da porta, e ela então virou sua tendência para olhar à esquerda, agora para a direita, como para se despedir de mim com o olhar. Sim, eu estava elegantemente trajado como sempre. E ainda na reunião semanal do trabalho, ao voltar do trabalho, reparei que minha cadeira estava posicionada em um local muito mais próximo da minha colega que o normal, de modo que ela poderia encontrar em mim e apoiar seus braços. Existe assédio feminino?
Eu cuido do meu corpo, da minha mente. Tenho conteúdo, tenho elegância, postura, educação, cavalheirismo. Mas será que isso importa para a pessoa que tem o meu amor? Entre os médicos e os intelectuais que te cercam, será que sou menos atraente porque não tenho o status deles? Será que o conhecimento é uma moeda de troca ou apenas mais um peso na balança do desejo? Talvez já tenha aprendido tudo o que precisava, e agora tanto faz.
Porque no fim, transformei a pessoa que amo em um conceito. Fiz dela uma ideia, um movimento artístico, uma obra de arte. A reconstruí através da minha percepção, pintei-a com as cores da minha idealização. Mas, em troca, recebo o silêncio. O vazio. A frieza institucional da polícia e da advocacia.
Talvez ela prefira a intelectualidade dos médicos, homens mais bem-sucedidos, que saberão valorizá-la de formas que eu não soube. Talvez olhem para ela e, em sua admiração, esculpam uma nova Vênus de Milo, uma Monalisa. Ou talvez seja como no conto "O Retrato Oval", de Edgar Allan Poe: a cada pincelada, a musa perde o brilho, a vida se esvai. No fim, a arte sobrevive, mas a real está morta. As cores da paleta do pintor são roubadas da modelo para dar vida ao quadro.
E eu me pergunto: de que vale a arte, se ela apenas consome aqueles que amamos? E não traz a vida em troca dela?