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DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos

Diga-me quem tu amas, e eu te direi quem és.


Capítulo 1: O Efeito do Amor e do Cinema

O cinema, disse André Bazin, transforma o mundo real em um mais em harmonia com nossos sonhos.

 

E não é esse o mesmo efeito do amor? Ele não transforma a pessoa amada em alguém mais em sintonia com nossos sonhos? Uma projeção idealizada, talvez um reflexo de nós mesmos, daquilo que queremos e imaginamos, mas que, às vezes, foge da realidade.

 

O processo de enxergar características e qualidades que, na verdade, não existem na pessoa amada, para que ela se encaixe melhor no nosso modelo ideal, foi chamado por Stendhal de cristalização. E esse fenômeno é fundamental para o enamoramento, esse estado em que a pessoa não sai da nossa cabeça, rouba nosso sono e nossa paz.

 

Mas essa inquietação é, ao mesmo tempo, uma guerra e um apaziguamento. É uma perturbação e, paradoxalmente, um bem-estar. Basta evocar a imagem da pessoa amada para sentir alívio, saudade, alegria e contentamento.

 

O amor oscila como um pêndulo entre a dor da ausência e a felicidade da lembrança — a presença ausente que nos consola e, ao mesmo tempo, nos inquieta.

 

Capítulo 2: A Influência das Nossas Escolhas

A frase “Diga com quem tu andas e eu te direi quem és” significa que as pessoas que escolhemos para ter por perto — amigos, companheiros de vida — dizem muito sobre quem somos. A escolha das nossas amizades revela bastante sobre nós.

 

Mas, mais do que isso, as pessoas que escolhemos amar, consciente ou inconscientemente, falam ainda mais sobre quem somos. E, muitas vezes, o companheiro, apesar da convivência e amizade, não é necessariamente alguém que se ama de verdade.

 

Todo mundo conhece a história de alguém que teve uma paixão platônica por alguém mais velho — muitas vezes, uma figura de autoridade e admiração, um mentor, um educador, talvez um professor. A admiração intelectual, a posição de autoridade, o fato de ser algo aparentemente intocável ou até proibido, especialmente se a pessoa já for comprometida, pode confundir a cabeça de alguém mais jovem. Às vezes, gratidão e admiração se misturam com um amor platônico que, no fim, costuma ser só uma fase.

 

Capítulo 3: O Modelo Ideal e a Influência Paterna

Tenho minha própria tese sobre a educação de uma filha: o homem ideal que ela buscará na vida se reflete na relação que tem com o pai. O jeito como ele a trata — com gentileza, como uma dama, como uma princesa — e o modo como trata sua mãe influenciam diretamente suas expectativas para um parceiro. Se ela cresce vendo o pai sendo carinhoso e respeitoso com a mãe, dificilmente aceitará algo diferente em um relacionamento. A figura do homem ideal, então, pode ser uma projeção do pai.

 

Por outro lado, se ela busca o oposto, pode ser porque sente falta de algo que o pai não proporcionou. Se esse oposto for positivo, o homem pode preencher uma lacuna deixada pela ausência emocional paterna. Mas o coração é imprevisível e, às vezes, escolhe um caminho completamente diferente do nosso modelo ideal. Quando isso acontece, pode ser que a mulher acabe presa em um relacionamento tóxico. Agora, se ela encontra, no mesmo homem, tanto o amor quanto aquilo que sempre idealizou, sorte a dela!

 

Capítulo 4: O Desconhecido e a Dor

Nietzsche tem uma tese interessante sobre o desconhecido: ele causa dor ao ser humano, que busca respostas para preencher essa lacuna — qualquer resposta, mesmo que imaginada, é melhor do que nenhuma. É daí que surgem explicações extraordinárias para justificar eventos concretos. Por exemplo, dizer que o sofrimento é consequência de uma vida pecadora ou influência de demônios e espíritos malignos. São explicações inventadas que oferecem um alívio para a angústia de não saber, criando uma sensação de apaziguamento.

 

Porém, Nietzsche desconsidera que a ignorância também pode ser uma forma de apaziguamento, uma maneira de evitar o sofrimento. Porque, às vezes, saber a realidade pode ser doloroso, e o ser humano faz de tudo para escapar disso. A sabedoria e o conhecimento nem sempre trazem paz—muitas vezes, só acrescentam peso, responsabilidade e dor. Saber, por exemplo, que não podemos contar com forças divinas, apenas com nossas próprias ações, é algo que impõe uma carga enorme. “Grandes poderes (ou conhecimentos) trazem grandes responsabilidades”, já dizia o tio do Homem-Aranha.

 

Capítulo 5: A Negação e a Realidade

No livro O Homem do Subsolo, o protagonista, um misantropo sem nome que vive quase à margem da sociedade, em São Petersburgo, prefere sentir dor no fígado a procurar um médico. Ele diz que é por indiferença e apatia, mas, no fundo, a verdade é que, se ele for ao médico, pode descobrir que sofre de uma doença grave. O mecanismo de defesa dele é negar a realidade, evitar o diagnóstico, como se isso impedisse a doença de existir.

 

A filha da minha colega de trabalho, que sempre me oferece carona, possivelmente está com câncer. Ele havia regredido, mas, pelo estado dela—magra e debilitada—parece ter voltado. E ela hesita em ir ao médico, justamente por medo de confirmar a notícia trágica. Às vezes, é preferível suportar um sofrimento silencioso, em pequenas doses, do que encarar a dor da verdade de uma vez.

 

Capítulo 6: O Desconhecido e a Curiosidade

Eu, movido pela curiosidade e pela necessidade de encontrar respostas para me sentir mais tranquilo, perguntei a uma pessoa com quem ela teria assistido determinado filme—um filme com um teor meio erótico, que não combinaria assistir com os pais, digamos assim. Mas eu deveria ter ficado quieto e, como o homem do subsolo, ter negado o desconhecido para manter a paz. Porque, no fundo, eu já sabia a resposta. E, quando ela veio, foi exatamente o que eu temia: “com um companheiro”.

 

Capítulo 7: O Companheiro e a Identidade

Mas o que é um companheiro? No fim das contas, ele é um parça, né? Alguém que anda com a gente, que diz algo sobre quem somos—afinal, “diga-me com quem andas e te direi quem és”. Mas um companheiro pode ser só alguém com quem se tem afinidade, um parceiro de luta, por exemplo. O Lula e alguns comunistas não chamam seus apoiadores de companheiros? Então, companheiro não é necessariamente alguém que se ama.

 

Agora, a pessoa que escolhemos amar, essa sim diz muito mais sobre nós do que nossos amigos ou companheiros.

 

Capítulo 8: Ficcionalizando a Realidade

Bom, no fim das contas, esse texto é como o cinema: transforma o mundo real em algo mais em harmonia com nossos sonhos. Então, posso misturar ficção com realidade—e talvez os personagens citados aqui sejam projeções enviesadas da realidade, como em A Espuma dos Dias, do Boris Vian.

 

 

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 09/02/2025
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