Sob o pretexto de discutir o equilíbrio do artista entre alcançar o êxito comercial e produzir uma obra de arte autêntica, reflexo da sua capacidade artística e que lhe dê de fato prazer, eu discorrerei sobre um assunto que mais gosto e que tenho pouca oportunidade de falar: música e dança. Além disso, indicarei videoclipes da minha predileção que reúnem esses dois elementos e, para minha diversão, também criticarei o gosto musical alheio.
LCD Soundsystem é uma banda norte-americana que mistura elementos de música eletrônica com rock alternativo. Eles ficaram mais populares com a música que virou hit, Daft Punk Is Playing at My House, uma clara homenagem ao duo francês de música eletrônica que se apresenta fantasiado de robô — muito antes de os próprios Daft Punk se tornarem populares. Apesar de já conhecer tanto o LCD Soundsystem quanto o Daft Punk antes do estouro, minhas músicas prediletas do grupo nova-iorquino eram Tribulations e All My Friends.
Na minha fase freelancer de DJ, toquei muito essas músicas, que faziam sucesso nas pistas de dança das casas de show alternativas da Rua Augusta. Meu colega era promoter e me convidava para discotecar nesses eventos.
Mas, incrivelmente, Daft Punk é um exemplo de artista que soube equilibrar qualidade artística com êxito comercial. O último disco deles, Random Access Memories, é uma verdadeira obra-prima. Daft Punk foi descoberto pela gravadora Ed Banger Records, um dos selos símbolos da música eletrônica francesa, que lançou vários artistas de renome que eu não vou citar porque ninguém conhece. O dono era Busy P., que também era DJ e compositor e tem uma faixa brilhante chamada Protect and Entertain, cujo refrão é:
“To protect and entertain, in party we trust
Them other DJs ain’t fuckin’ with us”
O nome do álbum de Busy P., Pedrophilia, é um trocadilho fantástico com seu nome real, Pedro.
O refrão da música é tão brilhante quanto o trocadilho do nome do álbum. Ele faz alusão a slogans como To Protect and Serve (usado pela polícia), mas adaptado ao contexto da música e da festa, transformando-se em To Protect and Entertain (assegurar a diversão). A segunda frase remete a In God We Trust (em Deus nós confiamos), mas aqui adaptado para In Party We Trust (na festa nós confiamos).
Já voltando ao LCD Soundsystem: após o sucesso da música em homenagem ao Daft Punk, a banda enfrentou grande pressão da gravadora para lançar um novo hit que gerasse receita e lucro. Foi nesse contexto que compuseram You Wanted a Hit, uma reflexão sobre as expectativas da indústria musical e do público em relação à produção de sucessos. A letra sugere uma resistência à pressão para criar canções que se encaixem nas fórmulas comerciais tradicionais. Em vez disso, a banda enfatiza a importância da autenticidade artística e da integridade criativa.
A repetição de frases como “You wanted a hit” seguida de “But maybe we don’t do hits” indica uma rejeição consciente das convenções da indústria e uma preferência por seguir sua própria visão artística.
Trecho da música:
“You wanted a hit
But maybe we don’t do hits
I try and try
It ends up feeling kind of wrong”
(Tradução:
“Você queria um sucesso
Mas talvez não façamos sucessos
Eu tento e tento
Isso acaba parecendo meio errado”)
Essa música reflete exatamente o equilíbrio do artista entre êxito comercial e qualidade artística, sem perder sua essência e sem “se vender”. De maneira análoga, aqui no Recanto das Letras, nós, autores amadores, também pisamos em ovos ao tentar atender ao público e criar textos que serão lidos. Porque, sejamos honestos: todo mundo que escreve quer ser lido. Por isso, títulos chamativos e clickbait são importantes. Eu mesmo, sem pudor, uso esse artifício para gerar engajamento. Só acho vazio quando o título não entrega o que promete e o texto é ruim.
Um exemplo de banda que naufragou entre qualidade artística e êxito comercial foi o Coldplay. Os dois primeiros discos da banda nem parecem a banda ridícula e constrangedora que se apresenta hoje em dia. Você poderia colocar qualquer faixa, da primeira à última, desses discos, e todas seriam grandes canções. É difícil escolher minha predileta. Adoro Yellow, Shiver e Sparks do primeiro disco. O segundo tem The Scientist e Amsterdam… Cara, é só pedrada. Só música boa.
Isso é o que chamo de “maldição do terceiro disco”. Grandes bandas fazem dois primeiros discos impecáveis, o que te faz querer comprar o terceiro no lançamento… e aí vem a decepção.
O grande exemplo que me vem à mente são os Strokes. Os primeiros, Is This It e Room on Fire, são incríveis, mas o terceiro… Nem sei o nome de cor, para você ter uma ideia. Apesar disso, eu tinha uma camiseta com a capa do disco e, uma vez, uma garota do meu curso profissionalizante no CIEE ficou comigo só porque curtiu a camiseta. Hoje, essa garota trabalha no BuzzFeed. Ela roubou meu MP3 com minha seleta coleção de músicas e ainda trocou meu quadrinho do Snoopy por um da Mafalda. Mafalda, cara! Ela é uma bitch ou não é? Trocar Snoopy por Mafalda é uma heresia.
Com Franz Ferdinand e Kasabian aconteceu o mesmo. O Arctic Monkeys, por outro lado, é uma banda cuja sonoridade, na minha opinião, só evoluiu com o tempo. Passou de algo caótico e adolescente para algo mais cerebral, embora o último disco tenha sido bem fraco, com apenas duas músicas incríveis.
Noel Gallagher, guitarrista e compositor do Oasis, já apontou uma grande lacuna na indústria musical: hoje em dia não se fazem mais grandes álbuns, só compilações de músicas. Os artistas têm uma ou duas faixas boas e vivem de explorá-las nos shows. E ele tem razão. Onde estão os álbuns que marcaram época? Onde está um Nevermind do Nirvana? Um Doolittle dos Pixies? Um OK Computer do Radiohead?
Eu confesso que, de todos os meus gostos, o musical é o menos sofisticado, o menos erudito e intelectualizado. Para mim, a música é uma arte mais dos sentidos do que da mente. Se eu quiser uma boa letra, leio poesia. A música é dionisíaca. Gosto da flauta de Pã, não da harpa de Apolo.
Por isso, não gosto de MPB. E é incrível como o gosto das meninas inteligentes (ou “inteligentinhas”, como diria Pondé) é sempre parecido. E eu detesto tudo isso. Abomino Los Hermanos, Mallu Magalhães, Banda do Mar, Engenheiros do Hawaii… Credo. Skank, Jota Quest? Se misturar tudo no liquidificador, não sai um Ira!, banda que eu gosto. Também não sou muito fã da Legião, apesar de admirar o Renato como compositor. Mas gosto do primeiro disco. Para mim, a melhor banda de Brasília é a Plebe Rude. O Capital foi bom em certa medida até o Dinho achar que é um eterno adolescente. Também não gosto de Cazuza e Barão. Pode ser que uma ou outra música eu goste. Em música, é uma questão de gosto, é o que agrada os sentidos; algumas bandas simplesmente não me descem!
Na música eletrônica, por exemplo, existem as batidas inofensivas de DJs como David Guetta e Alok, que não fazem mal para ninguém, mas também não deixam marca. Não são como as produções da Ed Banger Records, que trazem um som dionisíaco. DJs como Justice, MSTRKRFT, Vitalic, Digitalism, Death from Above e SebastiAn criam batidas que realmente mexem com os sentidos.
E agora, citando SebastiAn, tenho um pretexto para falar sobre uma das minhas combinações favoritas em videoclipes: música e dança. Ele tem dois clipes dirigidos por Gaspar Noé, um habitué da cena underground francesa,
que é referência em música eletrônica, e que tem uma balada até chamada “ZIKEK”, em homenagem ao grande filósofo sobre quem já escrevi neste espaço. E, como não poderia deixar de ser, o clipe é polêmico.
O clipe em questão, que vou compartilhar com vocês, é “Lovemotion”. Nele, Gaspar Noé toca no vespeiro da erotização infantil. O clipe tem todas as assinaturas do Noé: a câmera girando, que vai revelando o cenário aos poucos, luzes estroboscópicas, e a fotografia carregada em vermelho, que só pode ser proposital, para se referir ao proibido, com a jovem usando uma tiara de diabinha. A câmera mostra parcialmente um garoto em puberdade com a câmera e corta para a garota dançando, para ele filmar, numa coreografia erotizada, mas sem esbarrar na vulgaridade. Porém, a câmera do Noé vai mostrando peças de roupas íntimas, o que pode sugerir que, apesar de sua idade, eles já são um casal e se permitem esse prazer proibido de se gravarem, numa performance sensual, um pré-striptease, que demonstra muita familiaridade. Extremamente polêmico.
Para quem quiser assistir:
▶️ Lovemotion - SebastiAn (dir. Gaspar Noé)
🔗🔗 https://youtu.be/spzGGnS0zt0?si=vpT7weUaT4afbhuD
Sou grande admirador do Gaspar Noé, mas também crítico quando ele se permite esse tipo de exagero. O mesmo Noé, em uma entrevista, ao ser perguntado sobre o que lhe dava prazer, deu uma resposta curiosa: disse que adorava o videoclipe de Elastic Heart, da Sia. Nesse clipe, a excelente bailarina Maddie Ziegler dança com o ator Shia LaBeouf, que interpreta uma espécie de Homo erectuspreso em uma jaula. A coreografia retrata uma relação de amor, fuga e atração de forma intensa e emocional. Honestamente, eu gosto muito da Sia, especialmente nesse clipe, e acho tanto a música quanto a coreografia maravilhosas. Mas, ao contrário do que Noé insinuou, não vejo erotização alguma na cena.
Para quem quiser assistir:
▶️ Elastic Heart - Sia (feat. Shia LaBeouf & Maddie Ziegler)
🔗 https://youtu.be/KWZGAExj-es
Outro videoclipe polêmico que Gaspar Noé dirigiu para SebastiAn foi Thirst. Nele, um homem vestido como Travis Bickle, personagem de Robert De Niro em Taxi Driver, encara uma mulher acompanhada e acaba sendo brutalmente espancado. A cena remete à icônica sequência do extintor de incêndio em Irreversível, mas aqui em uma versão menos gráfica, embora ainda impactante.
Para quem quiser assistir:
▶️ Thirst - SebastiAn (dir. Gaspar Noé)
🔗 https://youtu.be/cKbNEd-7Ghg
Agora, saindo das polêmicas e voltando ao tema de música e dança, quero compartilhar um videoclipe brilhante dirigido por Michel Gondry, diretor de Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, em parceria com o Daft Punk. Gondry é um mestre da estética visual criativa e, nesse clipe, usa um conceito simples, mas genial, de sincronizar os movimentos dos dançarinos com cada elemento da música. O resultado é uma experiência hipnótica e envolvente.
Para quem quiser assistir:
▶️ Around the World - Daft Punk (dir. Michel Gondry)
🔗 https://youtu.be/K0HSD_i2DvA?si=EC_Sg8g8BipCB1xK
E, como bônus, mais uma parceria de Gondry, desta vez com o Chemical Brothers, um dos grupos mais importantes da história da música eletrônica — atrás apenas do Kraftwerk em relevância. O clipe de Let Forever Be mistura realidade e ilusão de forma genial, com coreografias caleidoscópicas que parecem desafiar a lógica.
Para quem quiser assistir:
▶️ Let Forever Be - The Chemical Brothers (dir. Michel Gondry)
🔗 https://youtu.be/rSYwtllbweY
Linda coreografia, não?