“I don’t wanna to have my soul
I wanna be adored” - Stone Roses
Contrariando uma das melhores músicas de uma das minhas bandas favoritas de todos os tempos, Stone Roses: “I Don’t Wanna Be Adored”!
Quando penso em “Stones”, penso em Stone Roses. Eles são os verdadeiros Stones para mim, e não os Rolling Stones.
Embora eu adore músicas como Paint It Black, Gimme Shelter e Wild Horses, os Rolling Stones, como muitas bandas que prolongam suas carreiras, acabaram produzindo muitas coisas ruins no final. Talvez fosse melhor para a carreira deles se alguém tivesse morrido e interrompido a banda no auge, como aconteceu com os Beatles.
Já os Stone Roses têm apenas dois discos de estúdio. O primeiro, lançado em 1989, tem tantos clássicos e músicas boas que pode ser comparado, em qualidade, até mesmo com uma coletânea — e a que existe é ótima, e eu tenho. Mas este não é um texto sobre música. É sobre nostalgia, amor, como foi perder o BV nos anos 90 e como a minha história está interligada com esses momentos e também com meus textos. Em cinco atos.
Quando eu estava na quinta série, em 2002, ano em que o Brasil foi campeão do mundo, tingi o cabelo de loiro, era cercado de meninas e tinha um companheiro inseparável que ficava no canto, como eu narro nesse texto: A Indiferença Dói Mais Que a Rejeição. Ele foi o primeiro a perder o BV entre nós. Minha primeira decepção amorosa também envolveu ele.
Era uma prática nos anos 90 ter um caderno de perguntas e respostas, cheio de perguntas pessoais ou mais banais, do tipo: “Você gosta de alguém?”, “Quem você acha bonito?”, “Quem você gostaria de ficar?”, “Qual seu time?”, “Qual seu cantor predileto?”. O caderno passava de mão em mão, e cada pessoa que o preenchia ia descobrindo as respostas dos outros.
Na época, eu gostava de uma menina chamada Ariane. Não sei se ela está viva, nem me sinto à vontade de revelar seu nome, mas eu li no caderno que ela dizia gostar do meu amigo M. Ele, reciprocamente, lendo a resposta, também disse que gostava dela. Através do caderno, então, era uma forma de comunicação para ver quem estava a fim de quem.
Como eu gostava da Ariane, tenho as iniciais dela gravadas no meu guarda-roupa até hoje (juro, sou desses). Essa foi minha primeira decepção amorosa.
Apesar de ser bem popular no colégio e certamente haver garotas interessadas em mim, eu não tomei nenhuma iniciativa. Só queria ser eu mesmo, ficar na minha, exercer minha singularidade. Não fiquei com ninguém na quinta série, mas percebia que eu era visto como um objeto de desejo, mas intocável, como se houvesse uma espécie de magnetismo que impedia as garotas de se aproximarem, talvez por medo de serem zoadas por mim, sei lá.
Isso é algo que percebo desde aquela época.
Então chegamos à sexta série e conheci uma pessoa por quem tenho enorme admiração até hoje: Ana Cláudia. Mas, naquela época, eu era apaixonado. Ela era inteligentíssima, CDF, mas descolada ao mesmo tempo. Era magra, bem diferente do estilo “corpão”, mas tinha uma beleza rara, com um cabelo curto e morena, linda, linda. Ela fez “ECA” na USP, pelo que sei, e vive fumando maconha por aqui perto, para não chamá-la de maconheira na cara dura. Hoje, só a menção à palavra me dá enjoo.
Então, eu gostava da Aninha, e aí a minha história se entrelaça. Sabe meu amigo, que hoje é “noia”, que tinha uma irmã gostosa de 16 ou 17 anos, com quem eu dei meu primeiro selinho aos 11 anos? Nessa crônica aqui: pois bem, obviamente, antes de ser “noia”, ele era um rapaz normal, bem bonito, pegador. E, embora eu gostasse da Aninha e tivesse amizade com ela, era desse meu amigo “noia” que ela gostava de verdade. Ela me abraçava na frente dele, me dava selinho e falava: “Olha, Fernando, como o David é uma gracinha”.
Até que um dia, nesse selinho, ela se prolongou mais, abriu a boca e colocou a língua na minha boca. Foi tudo de repente e súbito que eu nem soube como reagir e nem sabia que eu era só um objeto, um artifício. Um beijo que durou apenas alguns minutos parecia uma eternidade, mas depois os dois começaram a namorar, e essa foi minha segunda desilusão.
Mais outra instituição do flerte dos anos 90. Vocês vão se lembrar que algumas fãs mandavam cartas quilométricas com beijos e “eu te amo” por artistas que elas amavam ou admiravam. Eis que algumas garotas, inspiradas por eles como prova de seu amor, faziam o mesmo para os garotos pelos quais eram apaixonadas. E lembra que eu falei que, embora não tivesse ficado com ninguém, eu sentia ou tinha a intuição de que era admirado como um objeto de desejo, mas que as garotas, por alguma maneira desconhecida, tinham receio de se comunicar?
Então, na mesma sexta série, ou foi na sétima, já não lembro, eu fiquei com uma menina com quem já tinha estudado na quinta. Ela me presenteou, do nada, com uma carta que era tipo um bloco de notas grudado uma na outra com cola bastão, com vários “eu te amo” em cada linha, marcas de batom e nossas iniciais. Nada além disso, pelo que me lembre. Muita criatividade: 8 metros de papel com a mesma mensagem. Eu, com vergonha, não sabia onde guardar esse presente e escondi fora de casa, em um lugar secreto onde eu também escondia revistas pornôs (sim, eu já manjava dos paranauê e tinha contatos exclusivos desde aquela época). Alguns dias depois, a chuva estragou tanto as revistas quanto a carta.
Meu colega J. também recebeu uma carta que ele conseguiu guardar até hoje. Infelizmente, o vagabundo não se dispôs a tirar uma foto para eu mostrar para vocês como era. E pior que eu nem lembro o nome da menina, mas ela era bonita, totalmente oposta a mim, e eu fiquei surpreso porque ela era tímida e estudiosa. Me entregou a carta meio sem jeito, sem ter o que falar e sem esperar resposta.
Aí eu abri em casa, já esperando que ela estava perfumada com um cheiro que me lembra inocência romântica, pureza, que me traz um conforto e paz até hoje. Aí escondi a carta no esconderijo. No outro dia, a procurei. Ela estava extremamente nervosa. Conversamos sem jeito e acabamos ficando. Como estudávamos na mesma sala, ela se ruborizava só de eu fazer menção em me aproximar. Mas, durante o ano, quando eu não tinha ninguém para ficar, eu a procurava. E foi a forma que eu achei de retribuir o amor dela. Eu acho essa história lúdica e ao mesmo tempo bonita.
Aí, mais pra frente, tem outras histórias até o presente. Eu só gostaria de relatar uma para exemplificar que, quando eu fiquei com o quadro de horários das aulas, duas jovens se aproximaram da minha turma. Eu e meu amigo as escutamos dizer, sem coragem de chegar em mim simplesmente para pedir o quadro de aulas: “Fala com ele, você! Não, não, fala você, fala você!” Eu olhei aquilo tudo meio estupefato e perguntei para o meu amigo o motivo daquilo tudo. Ele falou: “Sei lá, vai ver elas pensam que você vai tirar sarro delas ou o que.”
Mas o fato é que existe alguma coisa que eu nem sei explicar que impede ou faz com que as mulheres/garotas tenham um certo receio de mim, de conversar, de se expor. Sem pedantismo, é como se houvesse um magnetismo e uma ideia falsa de que eu sou alguém que, de fato, não sou: intocável. Apesar de eu ser banal, as pessoas que organicamente convivem comigo logo percebem isso e tudo flui naturalmente. Mas as desconhecidas temem algo que eu não sei. Às vezes, pode ser uma insegurança delas mesmas, falta de confiança, não sei explicar.
Mas é preciso, no amor, ter audácia e a inocência da jovem que me entregou a carta, mesmo tímida, e a gente sendo diferentes: eu, o bagunceiro, e ela, a quietinha, tímida e estudiosa, para viver uma história de amor. Mesmo que não tenha sido como ela esperava, eu aposto que, para ela, valeu a pena a experiência, melhor do que viver um sentimento platônico. E eu sempre tratei ela tão bem, com o mesmo carinho que ela escreveu na carta, embora eu não a amasse. Mas eu agi com ela eticamente, digamos assim, mesmo sem saber nada de filosofia na época. Foi por caráter mesmo, por personalidade, educação e cavalheirismo, algo que não se ensina.
Por fim, para quem leu meu texto Existe Amizade Entre Homem e Mulher? e sabe das formas que não gosto de ser chamado e o que, de fato, me faz perder o interesse, vou compartilhar algo recente.
Segue um print, no final desse texto, de uma conversa que vai do dia 26 de dezembro até hoje. Não vou expor nomes nem ninguém, mas é um exemplo de insistência da mesma pessoa sem que eu tenha dito ABSOLUTAMENTE nada. Como diz Nietzsche: “O que tem valor não precisa ser demonstrado. Uma palavra diz mais do que mil palavras.”
Essas histórias, lúdicas e nostálgicas, moldam quem eu sou hoje. Porque o amor, para ser vivido, exige audácia e inocência. É preciso coragem para arriscar, mesmo que o resultado seja algo diferente do esperado.