Houve um momento na história em que o homem foi despojado de suas crenças, ficando sem chão, sem muletas para se apoiar. Esse momento é marcado pelo antropocentrismo, que colocou o homem no centro de tudo. Na minha visão romântica do mundo, o amor ocupava esse lugar. Era ele que me dava força para suportar o dia a dia. Agora, tudo se perdeu por conta de uma ilusão que, ironicamente, sempre esteve diante dos meus olhos.
A pessoa a quem eu costumava devotar todo o meu amor não quer mais contato comigo. E pensar que, neste momento, estou produtivo socialmente, desempenhando um trabalho que ajuda as pessoas, cultivando minha intelectualidade, cuidando da saúde e vivendo sem o uso de aditivos. Se, mesmo assim, ela não quer saber de mim, significa que não irá querer nunca. E como lidar com o vazio que o amor deixou? Sou escravo desse sentimento. Preciso dele para me inspirar, para existir.
Minha mãe, que nem poeta é, uma vez fez um acróstico. E, ainda que simples, ele faz todo o sentido:
Da vida um dilema:
Amar para Viver
Viver para amar
Insolúvel o problema
Difícil solução
Orgulho da minha mamis.
Sócrates, em O Banquete, diz que tudo o que aprendeu sobre o amor foi com as mulheres. Assim sou eu também: tudo o que sei sobre esse sentimento devo à presença feminina.
Para viver, é essencial estabelecer uma escala de valores. A pessoa em questão tinha mais de 600 amigos que, em sua hierarquia, eram dignos de serem chamados de “amigos”, ainda que apenas virtuais. Eles tinham acesso à sua vida, viam suas postagens e interagiam com ela. Mas, comigo, ela decidiu não querer contato. Talvez ache que eu não tenha nada a agregar, diferente de seus outros “amigos”.
Estamos falando de um espaço como o Instagram, um ambiente que ela deve considerar “super intelectualizado”, repleto de postagens densas, não é mesmo? Com essa decisão, ela deixou clara a sua visão de mundo e os valores que a regem. Convenhamos, se o Recanto das Letras, por exemplo, é um espaço de resistência à superficialidade, dedicado a textos literários e poesia, é nele que eu me destaco. Sem falsa modéstia, certamente sou um dos autores mais relevantes da plataforma, pela riqueza, profundidade e originalidade do conteúdo que produzo.
Ainda que no espaço mais intelectualizado, sei que sou uma referência. Exercendo a humildade cética, conheço meu valor. Sou um jovem intelectual, de gosto apurado e ampla bagagem cultural. Já li muito, estudei intensamente, assisti a diversas aulas, vi inúmeros filmes. Não opino com o cotovelo, mas a pessoa que amo prefere a companhia de seus amigos “doutores”. Eu não me enquadro nesse círculo.
Talvez eu não caiba mesmo. Um autor que já escreveu um texto como o meu sobre pedofilia – algo que talvez ela, como pediatra, seja produtivo e instrutivo que tenha lido – poderia não encontrar espaço em uma rede como o Instagram. Talvez, mesmo que tivesse lido, ela não tenha encontrado utilidade no meu trabalho.
Quem sabe estejamos vivendo uma inversão de valores, como em 1984: o Ministério da Paz cuida da guerra; o da Cultura promove a ignorância. Talvez a cultura tenha perdido o valor a ponto de chamarem a polícia para mim. E, quem sabe, ela até se identifique com aquela frase do policial franquista: “Quando ouço falar em cultura, saco logo meu revólver.”
Por isso procuro um novo amor.
Tenho essa necessidade. Gosto de chamar alguém de “amor”, de ter esse modo carinhoso de me referir à pessoa que amo.
Por isso, amo minhas amigas Kathmandu, a Flor, e, embora não tenha me dado a liberdade, a Flora também. Elas sempre me fizeram companhia, trataram-me com respeito e souberam retribuir o meu carinho.
Ah! E se não mencionei você entre os meus amores do Recanto, talvez seja porque estou esperando algo mais além do amor da amizade.
E, para aqueles que não aceitam meu histórico de amor com outra pessoa, gostaria de citar uma passagem muito poética do livro O Guia do Mochileiro das Galáxias, de Douglas Adams. Embora originalmente fale sobre a existência de Deus, ela também pode ser aplicada ao amor: “Será que não podemos simplesmente apreciar a beleza de um jardim sem imaginar que há fadas vivendo nele?”
Beijos!