Não sei se é qualidade ou defeito a minha falta de competitividade. No mundo corporativo atual, onde, muitas vezes, para crescer, é necessário “puxar o tapete” de alguém, ter essa gana competitiva de querer sempre mais é fundamental para sobreviver. Isso é especialmente verdadeiro no mundo capitalista. O capitalismo é a personificação da vontade de potência nietzscheana, que sugere que o desejo de poder quer sempre mais poder, sem uma razão aparente. Da mesma forma, o capitalista ou burguês deseja aumentar seu capital e seu lucro sem um objetivo claro, muitas vezes indiferente até aos males que o acúmulo de riqueza pode causar, como a desigualdade social.
Do ponto de vista nietzscheano e corporativo, pela minha falta de competitividade, sou fraco e estou condenado a ser absorvido e soterrado pelos mais fortes. Mas, do ponto de vista ético, de acordo com o modelo kantiano, que nos orienta a agir segundo princípios universais – o que ele chamou de “imperativo categórico” –, a falta de competitividade é positiva, pois não estou prejudicando ninguém para alcançar meus objetivos. Sei esperar o meu momento.
O professor de Harvard, Michael Sandel, em seu livro Justiça: O que é fazer a coisa certa (baseado no seu famoso curso de ética), apresenta uma visão ampla das principais correntes filosóficas, do humanismo ao utilitarismo, do racionalismo ao individualismo, até chegar à conclusão de que o mundo não oferece uma resposta definitiva sobre o que é certo ou errado. O que é a “coisa certa a fazer” pode variar dependendo da filosofia ou do contexto histórico. Sandel propõe que o que podemos fazer é refletir sobre essas diversas abordagens e aplicar o que parece mais adequado, dado o contexto de nossas ações. Ele desafia a ideia de que há um código universal de moralidade, reconhecendo que o entendimento do certo e do errado pode mudar com o tempo e as circunstâncias.
Recomendo a leitura desse livro. É acessível, um verdadeiro clássico, e oferece uma visão mais rica e complexa do que uma simples lição sobre ética. Vai te deixar mais sabedor.
Por falar em filosofia, de todas as correntes filosóficas, talvez a que mais me identifique seja o ceticismo de Montaigne. No seu livro Ensaios, Montaigne adota uma postura profundamente confessional e sincera, abordando temas como amizade, educação, ética e a natureza humana. Ele fala sobre questões pessoais, como suas inseguranças em relação ao tamanho do seu órgão sexual e como lidava com a morte de seus filhos, com uma certa resignação histórica. Esse tipo de reflexão nos parece estranho hoje, mas é importante lembrar que, naquele contexto histórico, a mortalidade infantil era uma realidade que não fazia as crianças serem tratadas com o mesmo valor dos adultos. Como discorro no meu texto A Revolução do Amor, naquela época, a vida de uma criança era muito mais vulnerável.
Montaigne, assim, é símbolo do que se chama de “ceticismo equilibrado”, cujo princípio central se expressa na pergunta “Que sais-je?” (O que sei eu?). Essa dúvida constante e a humildade intelectual são os alicerces dessa postura. Para mim, reconhecer minha própria ignorância é o primeiro passo para o aprendizado. Como dizia Sócrates: “Só sei que nada sei”. É curioso como, na contemporaneidade, as pessoas que se consideram conhecedoras de tudo, com certezas absolutas e dogmas imutáveis, são aquelas que, na verdade, demonstram a maior ignorância.
“Viver é perigoso”, como afirmou o literato Guimarães Rosa, na boca de seu personagem Ribaldo. Rosa, com a maestria de um grande escritor, explora questões filosóficas profundas na mente de um sertanejo, aparentemente desprovido de educação formal, mas com uma percepção aguda sobre os dilemas da existência. Viver é perigoso porque a vida não oferece respostas prontas e, uma vez que se faz uma escolha, não é possível voltar atrás. Essa reflexão nos remete à filosofia do Carpe Diem, que prega o viver intensamente o agora.
No entanto, no mundo corporativo, existe um conceito quase obrigatório: o planejamento estratégico. Trata-se de usar o conhecimento do presente para se preparar para o futuro, estar à frente da concorrência. O problema de quem vive exclusivamente o presente, como o filho pródigo, é que não tem uma reserva para o futuro. Ou, como naquele episódio do Pica-Pau, que passa o verão se divertindo enquanto as formigas trabalham, e depois sofre no inverno, sem nada para comer. Eu, muitas vezes, fui como o Pica-Pau: não pensava no futuro, não me planejava, não guardava dinheiro. E, pior, como adicto, estava completamente absorto na busca pelo prazer imediato, sem pensar nas consequências.
Por exemplo, recentemente me matriculei na academia. Porém, devido ao vício, acabei me desfazendo de bens valiosos, que me pareciam inúteis no momento. Tinha uma coleção incrível de camisas de times, roupas caras e raras, como jerseys de futebol americano que custavam 600 reais, e acessórios da Nike, Adidas e Ray-Ban Wayfare Preto Fosco, lindo. Para sustentar o vício, vendi tudo por bagatelas, por valores irrisórios, 20, 30 reais, às vezes um pouco mais somente. Até aparelhos como iPhone, iPad, Apple Tv e fones de ouvido Bluetooth caíram tudo nas mãos de traficantes.
Essas coisas não estavam sendo usadas, é verdade, porque eu mal saía de casa. Mas agora, que estou de volta à academia, percebo que aquelas camisas seriam perfeitas para o treino. Quando eu frequentava a academia antigamente, a minha coleção era tão sortida que o dono da academia me convidou para ser sócio, achando que eu tinha recursos, que era abastado, rico. Aparências.
Hoje, sinto um grande arrependimento por ter me desfazido dessas peças, que acabaram com quem nem sabe valorizá-las.
Isso me lembra Epicuro, filósofo que defendia que nem todo prazer é digno de ser buscado. O prazer que deve ser procurado é aquele que não causa dor ao corpo nem tormento à alma. Isso é completamente oposto ao que as drogas oferecem.
E se eu não sou competitivo e não tenho uma visão estratégica, como posso sobreviver no mundo corporativo moderno? Mesmo sem ser excessivamente competitivo, já fui bem-sucedido em minha carreira. Quando me perguntam, em entrevistas, quais são os meus pontos fortes, falo da minha capacidade de aprender, de evoluir e da criatividade. E isso é genuíno. Eu trabalhava com normas técnicas da ABNT e leis do INMETRO. A minha capacidade de ler e absorver conteúdos, dominar a linguagem e me aprofundar no conhecimento técnico foi essencial para que eu aprendesse, mesmo sem ninguém me ensinando diretamente.
A proatividade foi um fator chave. Tinha uma visão empreendedora, mesmo sendo um subordinado, não esperando que me dissessem tudo o tempo todo. Ia atrás das informações, corria atrás daquilo que precisava para fazer o trabalho bem feito. Essa abordagem é altamente valorizada no mundo corporativo, especialmente quando você age como se fosse o dono do negócio, pois isso gera lucro para a empresa. Mas, ao contrário de muitos, nunca quis competir para superar alguém ou alcançar um objetivo por status. Eu só queria fazer o meu trabalho da melhor forma possível, sem derrubar ninguém no caminho.
E aqui, entra a parte do videogame com meu irmão: apesar de minha falta de competitividade no mundo corporativo, sempre houve esse “instinto” competitivo nos jogos de videogame, especialmente quando se tratava de competir com meu irmão em jogos de futebol ou esportes no geral. Sempre queria vencer, seja no futebol real, seja nos jogos de videogame, mas não por uma busca por poder ou sucesso, mas simplesmente porque a tarefa exigia. A competição, nesse caso, era parte do processo de se divertir, de se desafiar, de buscar sempre melhorar naquilo que eu fazia.
Essa ética continua a me guiar até hoje. Eu não compito e não quero ser melhor que ninguém, a não ser que seja em relação à minha própria versão de ontem, sempre buscando ser a melhor versão de mim mesmo. Às vezes, como no filme Feitiço do Tempo, me inspiro no amor para alcançar isso.