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DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos

NERD, NÃO. INTELECTUAL, POR FAVOR!

Meu antigo professor de história, Ronaldo, a quem eu tinha grande admiração, era um homem cultíssimo, com três formações pela USP, fluente em francês, e costumava recitar alguns versos para a turma. Suas aulas eram fascinantes, sempre cativando nossa atenção de maneira única. Ele também tinha uma admiração recíproca por mim, e, em certa ocasião, virou-se para um amigo e disse: “Ele é mó nerd, né?” Ao que meu amigo respondeu, com bastante acerto, ao meu ver: “Ele é inteligente, mas não é nerd, não.” Essa afirmação refletia a percepção que Ronaldo tinha de mim, provavelmente em função de meu foco nas aulas que eu mais gostava — história.

 

Outra história curiosa ocorreu quando eu estava na sexta série. Sempre fui mais conhecido pela indisciplina e pela balbúrdia do que por ser um bom aluno, e meu professor de história ficou estupefato quando eu me apresentei como “erudito”. Ele riu e disse: “Brasil, de tanta pluralidade, que produz gente como o David.” Até hoje, não sei se foi um elogio. Na época, eu me via como alguém cômico, e me lembro de fazer o professor rir com uma piada batida, mas que soube interpretar bem. Vocês já ouviram essa?

 

Um homem parou diante do outro e afirmou: “Eu sou paraguaio e vim para matar.”

 

“Para quê?” o outro perguntou, sem entender.

 

“Para-guaio.”

 

Mas eu me questiono, até que ponto eu fui, de fato, esse nerd, esse erudito, ou talvez apenas um jovem inconformado com a superficialidade ao meu redor.

 

Escolhi entre dois títulos para esse texto: “Saber Envelhecer é Preciso” e este porque ambas as opções ressoam com a reflexão que desejo compartilhar. A incapacidade de consumir o conteúdo que antes adorava, que fez parte da minha formação e infância, é algo que não me incomoda. Eu nasci e cresci nos anos 90, uma época marcada por fenômenos como Dragon Ball Z. Eu comprava as revistas, vivia intensamente aquela fase, conversava com meus amigos sobre isso. Fui um daqueles que estava assistindo Dragon Ball Z na Globo quando aconteceu o atentado de 11 de setembro. Sabia toda a “lore” do anime. Também adorava Cavaleiros do Zodíaco, os animes da Manchete e, claro, Pokémon. Lá para 2005, enchi o saco da minha mãe para me comprar um Game Boy Advance SP — uma pequena fortuna na época — tudo para jogar Pokémon Ruby. Cheguei a escrever um detonado, com tudo sobre o jogo, em um caderno.

 

Sempre fui apaixonado por videogames. Desde que nasci, já tinha um videogame em casa, que originalmente era do meu irmão: primeiro o Master System (8 bits), depois o Mega Drive (16 bits) e, em 2002, o PlayStation. Eu me lembro até hoje da emoção de ligar o videogame e ver gráficos de jogadores de futebol em 3D pela primeira vez. Minhas amizades de infância sempre foram moldadas por esses hábitos. C., a quem dediquei uma crônica anos atrás, Desejo de Ilusão, foi um dos meus primeiros grandes amigos. Ele vinha na minha casa jogar Mega Drive e Sonic, e eu ia na dele jogar Super Nintendo: “Mario”, “Donkey Kong” e “Zelda”. Confesso que ele levou vantagem nesse aspecto.

 

Eu jogava muito RPG. Como não sabia inglês, acabei aprendendo quase sozinho, e quando fiz o curso, já sabia muita coisa. As meninas da época até falavam que eu “cabularia aula” para ficar jogando. Isso me rendeu o apelido de “Gamesbond”, uma paródia do 007. Criatividade das crianças de antigamente. Olho para essa época com nostalgia, mas não desejo revivê-la, ela faz parte do meu passado, da memória do que sou. Eu entendo que é preciso saber envelhecer.

 

Vejo amigos que ainda se apegam ao passado como se fosse um lugar seguro. Eles ainda conseguem se entreter assistindo Naruto, Pokémon, Cavaleiros do Zodíaco e, sobretudo, Dragon Ball Z. Eu respeito muito os criadores dessas histórias, os universos ricos que foram criados, e a obra de Akira Toriyama, que nos deixou recentemente, em especial.

 

Contudo, essas histórias não me prendem mais. Elas já não têm o poder de me entreter. E o mesmo acontece com os livros que marcaram minha infância. Séries como “A Bússola de Ouro”, “Harry Potter” e “O Senhor dos Anéis” não conseguiriam mais me cativar hoje. Talvez, no máximo, eu me permita reler “O Guia do Mochileiro das Galáxias”, de Douglas Adams, devido ao seu humor inteligente.

 

Saber envelhecer, sofisticar-se, evoluir, é essencial. A tolice em um velho é tão inadequada quanto a sisudez em uma criança.

 

Ficar preso a um passado nostálgico e confortável nos aprisiona, nos impede de conhecer o novo. Nas redes sociais, por volta de 2013, eu cunhei uma frase que define bem esse meu pensamento: “Nerd, não, intelectual, por favor.” Nunca me considerei um nerd, embora algumas das coisas que eu goste, como videogames, possam se encaixar nesse estereótipo. Hoje, no entanto, jogo muito pouco. Me contento em assistir a canais no YouTube, ver séries de gameplay, para conhecer a história dos jogos e ver como eles estão evoluindo. Não tenho mais a vontade de jogar, mas sinto um prazer voyeurístico ao assistir. De certa forma, todo intelectual é, de algum modo, um nerd: um sommelier das atividades intelectivas.

 

Pelas horas dedicadas ao pensamento, à leitura e ao aprendizado, acredito que sou, sim, um intelectual, um erudito, mas não um nerd. E, embora eu não me leve a sério e não ganhe nada com isso, nem mesmo o amor ou a admiração de quem amo, sinto-me confortável com essa definição.

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 15/01/2025
Alterado em 15/01/2025
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