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DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos

Os Homens Ocos, a Morte de um Sonho e as Drogas

“Nós somos os homens ocos

Os homens empalhados

Uns nos outros amparados

O elmo cheio de nada. Ai de nós!

Nossas vozes dessecadas,

Quando juntos sussurramos,

São quietas e inexpressas

Como o vento na relva seca

Ou pés de ratos sobre cacos

Em nossa adega evaporada.

Forma sem forma, sombra sem cor

Força paralisada, gesto sem vigor.

Aqueles que atravessaram

De olhos retos, para o outro reino da morte

Nos recordam – se o fazem – não como violentas

Almas danadas, mas apenas

Como os homens ocos

Os homens empalhados.” - Os Homens Ocos - T.S Eliot

 

O poema “Os Homens Ocos” (The Hollow Men), de T.S. Eliot, é uma profunda reflexão sobre o vazio espiritual e a alienação que caracterizam a sociedade moderna. Os homens retratados por Eliot são ocos, desprovidos de substância ou alma, figuras que habitam um mundo estéril, sem sentido ou conexão. Suas ações são vazias, como se fossem reflexos mecânicos, e suas palavras, sem peso, flutuam como sussurros inúteis em uma paisagem desolada.

 

Essa visão ressoa com o conceito do último homem de Nietzsche, o oposto do Übermensch (super-homem). Enquanto o Übermensch busca transcendência e significado, o último homem se contenta com uma vida banal e sem ambição, imerso no conforto e no conformismo. Tanto os homens ocos de Eliot quanto o último homem nietzschiano simbolizam uma humanidade fragmentada, apática e conformada, incapaz de se elevar ou enfrentar questões profundas.

 

Esse vazio existencial também se manifesta no cinema, como nos filmes Réquiem para um Sonho de Darren Aronofsky, Magnólia de Paul Thomas Anderson e Cidade dos Sonhos de David Lynch. Essas obras exploram a desconexão e o isolamento causados pelo uso de drogas e pela incapacidade de lidar com os sonhos e as frustrações humanas.

 

Em Réquiem para um Sonho, Aronofsky nos apresenta uma história visceral, um mergulho profundo na degradação causada pelo uso de drogas. A narrativa acompanha quatro personagens cujas vidas se entrelaçam: Harry, sua namorada Marion, seu amigo Tyrone e sua mãe, Sara. Cada um enfrenta a destruição de seus sonhos e corpos devido a diferentes vícios. A montagem frenética, característica do diretor, utiliza cortes rápidos e repetitivos para ilustrar o impacto das drogas. Por exemplo, durante as cenas de consumo, vemos close-ups acelerados das pupilas dilatando, da fumaça sendo inalada, dos líquidos borbulhando – tudo editado de maneira frenética para simular o caos e a compulsão do vício.

 

A trilha sonora de Clint Mansell é um elemento crucial, aumentando a sensação de tragédia iminente. A peça “Lux Aeterna” tornou-se tão icônica que transcendeu o filme, sendo reconhecida até por quem nunca assistiu à obra. A fotografia é sombria e claustrofóbica, reforçando a atmosfera de desespero.

 

No auge do caos, cada personagem atinge seu fundo do poço de forma devastadora. Harry, viciado em heroína, tem seu braço amputado devido à infecção. Tyrone é preso por tráfico de drogas. Marion, antes uma jovem sonhadora, se envolve em prostituição e orgias para sustentar o vício em cocaína. Sara, obcecada em participar de um programa de auditório e viciada em pílulas para emagrecer, acaba internada em uma ala psiquiátrica, com alucinações terríveis. É, sem dúvida, um filme com um espírito natalino perfeito para assistir com toda a família.

 

Já Magnólia, de Paul Thomas Anderson, opta por uma abordagem diferente, mas igualmente poderosa. O filme utiliza uma narrativa fragmentada, inspirada na obra Short Cuts – Cenas da Vida (1993), de Robert Altman. Esse estilo entrelaça várias histórias, criando um mosaico de dor, redenção e conexão humana.

 

Uma das personagens centrais, filha de um apresentador de TV, está presa em um ciclo de autodestruição. Isolada em seu apartamento, ela consome drogas compulsivamente, financiada pelos próprios recursos e pelo apoio financeiro dos pais. A chegada de um policial à sua casa, inicialmente por causa do som alto, acaba mudando o curso de sua vida. Ele, impressionado por sua beleza e fragilidade, desenvolve sentimentos por ela, tornando-se um ponto de virada inesperado. Essa relação improvável cria uma abertura para que ela rompa com sua rotina destrutiva, mostrando que até mesmo no meio da dor e da solidão há espaço para a esperança.

 

A trilha sonora de Aimee Mann, especialmente a canção “Save Me”, é essencial para capturar a essência desse momento, amplificando a emoção de uma forma sutil, mas marcante. Anderson, com maestria, constrói um universo cinematográfico que revela as complexidades e fragilidades da condição humana.

 

Por fim, Cidade dos Sonhos (Mulholland Drive), de David Lynch, é uma obra que mistura surrealismo, terror psicológico e uma narrativa onírica. Lynch cria um universo em que o sonho e a realidade se confundem, explorando a psique fragmentada de sua protagonista.

 

O filme apresenta a história de uma aspirante a atriz que, em um sonho, tem sucesso em sua carreira, vive um romance com outra mulher e é confiante e deslumbrante. Contudo, a realidade é muito diferente: ela é uma atriz fracassada, consumida pelo vício em cocaína, com aluguéis atrasados e presa em um ciclo de solidão e autossatisfação onanista. Lynch transforma essa narrativa em uma alegoria sobre as ilusões de Hollywood e a fragilidade humana diante de seus próprios fracassos e desejos.

 

Esses três filmes mostram como as drogas não apenas destroem corpos, mas também corroem sonhos e esperanças, isolando os indivíduos e afastando-os da realidade. Eles se tornam ocos, presos em ciclos de degradação que os impedem de alcançar qualquer sentido de plenitude ou propósito.

 

Minha própria história ecoa algumas dessas tragédias. No último dia que usei drogas, em 26 de dezembro, saí de casa às quatro da manhã, sorrateiramente, para gastar cem reais em pó. Não satisfeito, voltei a outra biqueira, buscando uma “química melhor”. Foi então que me deparei com aquele amigo em estado deplorável, mencionado na crônica O Lado Obscuro das D.R.O.G.A.S. Isso mostra como as histórias se conectam, como sou verdadeiro e não oculto fatos nem tento suavizar a realidade.

Ao me olhar no espelho, percebi algo avassalador: eu estava igual. Eu parecia um nóia.

 

Foi nesse momento que entendi o quão longe havia ido. Alguém com minha educação e privilégios, reduzido àquela condição, era o sinal claro de que precisava parar. E desde então, tenho me mantido firme, determinado a nunca mais retornar àquele abismo.

 

Outro filme que reflete essa jornada é Vício Frenético (Bad Lieutenant), de Abel Ferrara, que narra a história de um policial corrupto e viciado, interpretado brilhantemente por Harvey Keitel. Assim como os personagens dos outros filmes, ele é consumido pelo vazio, pela falta de propósito, tornando-se um símbolo de decadência e destruição.

 

Eu fui um homem oco, um último homem. Mas, como diria Belchior: “Ano passado eu morri, mas este ano eu não morro”

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 15/01/2025
Alterado em 15/01/2025
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