Quem lê meus escritos não precisa ser um gênio da dedução para presumir que sou um tanto cético quanto à ideia de Deus, da fé e da religião. Na minha visão de mundo, que é mais lúdica, estética e afirmativa da vida, digamos assim, esses ideais cristãos não combinam muito bem comigo, apesar de não serem totalmente destoantes. Não desacredito completamente em Deus. E se sou ateu ou agnóstico, com certeza não sou militante, daqueles que dizem: “Ah, você acredita em Deus? Então é um idiota, imbecil ou burro.” (Alô, Edjar Vasconcelos! Que tal aprender concordância e português antes de julgar os outros? Estudou tantas línguas e autores que se esqueceu de como se fala a língua materna? Arrogância de destratar os iguais é imperdoável em alguém que se diz intelectual, mas não consegue expor didaticamente aquilo que aprende.)
Então, o que me afasta dos cristãos? Aqui, na minha escrivaninha, exponho ideias de diversos filósofos e autores – alguns, sim, críticos ferrenhos de Deus, dos cristãos ou da religião. Mas alguém já me viu tentando impor essas ideias, dizendo que este é o único modo certo de ver o mundo? Já me viu doutrinando alguém ou julgando quem pensa diferente, como fazem alguns cristãos ao dizerem que, se não seguir sua doutrina, você vai para o inferno?
Acredito, como diz Nietzsche:
“A minha doutrina é amável para aqueles que não acreditam nela. Ela não possui nem inferno, nem ameaças. Aquele que não acredita, sentirá, em si, apenas uma vida fugaz.”
Com o tempo, a experiência, o aprendizado e o acúmulo de leituras, você tende a se tornar mais cético quanto à ideia de Deus, à instituição religiosa e, principalmente, à Bíblia. Desde a adolescência, quando lia a Superinteressante, aquelas matérias sobre como a Bíblia foi escrita já despertavam minha desconfiança. Depois, ao me aprofundar em textos como os de Karen Armstrong, brilhante historiadora da Bíblia, meu ceticismo cresceu. A visão de Nietzsche em O Anticristo sobre como Paulo distorceu e reinterpretou a vida de Cristo também me marcou profundamente, assim como a análise psicológica da crença em Deus que Freud faz em O Futuro de uma Ilusão. A pequena biografia de Paulo Leminski sobre Jesus Cristo, que busca enxergar o homem além da figura mística e divina, conseguiu, ao meu ver, alcançar esse objetivo com muito sucesso. Ela me proporcionou uma visão mais humana de Jesus, mas, ao mesmo tempo, uma figura inspiradora e até revolucionária, embora não fosse um santo. Talvez se tornar Deus seja exatamente isso: ser a figura mais conhecida de todos os tempos, cuja morte marca o calendário: antes e depois de cristo.
Apesar disso, já tentei conceber Deus de outras formas. Não o Deus antropomorfizado cristão, mas talvez como a essência da natureza, a força que rege tudo – na linha de Espinosa. Para Schopenhauer, o mundo é um aglomerado de forças caóticas que, de algum modo, se harmonizam para formar tudo o que existe. Onde Schopenhauer vê caos, Hegel vê consciência e razão. Eu já tentei chamar essa ordem no caos de “Deus”. Afinal, embora o mundo pareça caótico, não dá para negar uma certa coerência, uma perfeição imperfeita, que talvez seja imprudente atribuir meramente ao acaso.
Desde a Grécia Antiga, os filósofos viam ordem no mundo e a chamavam de logos. Eles usavam o exemplo do olho, perfeito para sua finalidade, que é enxergar. Para os gregos, a vida boa era a vida alinhada ao todo, ao logos universal, organizado por Deus (ou por Zeus, mais precisamente). A felicidade gerada por esse alinhamento eles chamavam de eudaimonia.
No entanto, de modo geral, creio que a ideia de paraíso cristão, de vida eterna e reencontro com quem amamos, é uma ideia boa demais para ser verdadeira. Ela nos faz desfocar da existência real, do presente, que é a única comprovável, levando a um desperdício de vida. Do mesmo modo, aqueles que tentam criar um paraíso cristão aqui na Terra – como o comunismo – me parecem cometer o mesmo erro.
É por isso que nunca escrevo sobre Lenin, Trotsky ou Marx. Não por desconhecimento de suas ideias, mas porque simplesmente não as acho interessantes ou compatíveis com minha visão de mundo. Embora pretenda, em algum momento, escrever sobre Marx.
A diferença fundamental que me distancia dos cristãos não é nada contra sua fé ou crença. Na verdade, meu maior combate é contra qualquer tipo de intolerância religiosa, e lutarei com as armas que tenho – minha pena – para que todos possam professar sua fé livremente. O que me distancia é o dogmatismo e a tentativa de impor essa visão de mundo como verdade absoluta.
Historicamente, muitas vezes, por intermédio da violência, como no caso da Inquisição Católica – e há historiadores que afirmam ter havido também uma Inquisição Protestante.