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DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos

A MAIOR CAPACIDADE HUMANA

Quando começamos a estudar a obra de determinado filósofo, para melhor compreendê-lo, devemos nos perguntar: por de atrás de toda essa verborragia, afinal, qual é a desse cara? O que ele está realmente querendo dizer? Qual é sua principal mensagem? No caso de Nietzsche, parece claro: ele é um grande crítico da metafísica, que afirma que o homem é constituído por corpo e alma. Para ele, a essência do corpo e de tudo que existe no universo é a vontade de poder.

 

Mas o que é a vontade de poder? Ela não é uma substância única ou unitária. Normalmente, pensamos em poder como algo que algumas pessoas possuem e outras não. Por exemplo, o Alexandre de Moraes, inegavelmente, tem poder no Brasil: manda prender e manda soltar. Porém, para Nietzsche – e Foucault, que é um grande seguidor de suas ideias –, o poder não se limita a isso. Poder é uma relação de forças, uma forma de organização das forças. Se essas forças se modificam, as formas também se transformam.

 

Por exemplo, o Estado é uma relação de forças; a Igreja, outra; o capitalismo, mais uma; e o proletariado, mais outra. Ou ainda um campo social, como o jurídico ou da política, igual pensava Pierre Bordieu, consiste em relações de forças, embora ele vá se aprofundar nesse conceito.

Até mesmo a morte representa uma mudança na forma e na relação de forças de um corpo que não está mais vivo. As formas vão se modificando conforme essas relações de forças mudam. As forças, por sua vez, podem ser de ordem ativa, criativa, ou reativa, conservadora. Estas últimas são representadas pela tendência dos órgãos do corpo de se conservar: os órgãos “dizem” para comer um pouco, dormir um pouco, etc., a fim de manter-se.

 

Recomendo a leitura do meu texto A Melhor Forma de Vingança É…, onde explico o conceito de “corpo sem órgãos” de Deleuze, que aborda como o corpo pode passar de reativo e conservador para ativo.

 

Em algum momento da evolução humana, o homem passou de animal a ser humano. Esse processo, segundo o antropólogo Pierre Clastres, em seu livro A Sociedade Contra o Estado, dialoga com a tese de Nietzsche na segunda dissertação de Genealogia da Moral: a transição se deu através de rituais de crueldade. O animal era guiado pela memória orgânica dos órgãos – sente fome, come; sente sono, dorme –, ou seja, uma memória de conservação. Mas, graças ao ritual de crueldade, ele adquiriu uma nova memória: a memória das palavras. Isso só foi possível devido à dor ocasionada por esses rituais, que deixaram marcas no indivíduo, gerando lembranças. A dor, afinal, fixa na memória.

 

Assim, a passagem do animal ao humano – da memória orgânica para a memória das palavras – implicou um enorme sofrimento. Esse ritual de crueldade gravou ideias, valores e linguagem no corpo animalesco, fazendo surgir o homem de linguagem.

 

Aqui entra a segunda grande preocupação de Nietzsche: a luta entre sujeitos de tendência ativa e os de tendência reativa. Os ativos, que ele chama de “nobres”, são aqueles cuja energia do corpo é predominantemente ativa. Eles criam valores e batizam o mundo à sua imagem. Foram os nobres que criaram o conceito de “bom” no sentido de qualificado, perito, competente. Já os reativos, ou “escravos”, impedidos pelos fortes de externalizar seus pensamentos, os internalizaram. Eles criaram a consciência, a razão, e abandonaram o mundo da vida para imaginar mundos ideais, como o paraíso cristão. Em oposição aos nobres e aos bons (no sentido de competentes), os escravos criaram o conceito de “homem bondoso”: aquele de bom coração, temente a Deus, respeitador e que age segundo princípios universais. Eu discorro mais sobre isso no texto: O que é niilismo.

 

Tudo isso, como vimos, é resultado de relações de forças que afetam o corpo. Ora surgem sujeitos predominantemente ativos e fortes; ora, reativos e fracos. Para Nietzsche, a grande preocupação filosófica é o ser humano saber estimar o valor das coisas, reconhecer seu valor e criar seus próprios valores, sem recorrer a princípios universais ou mandamentos divinos. O ser humano, afinal, é um valorador por natureza.

 

Yuval Noah Harari, um grande pensador contemporâneo, também afirma que a grande revolução do homem aconteceu quando ele adquiriu a linguagem. Com isso, veio a capacidade de se organizar em sociedade e construir ferramentas, saindo da condição de caçador-coletor para a agricultura, entre outros avanços.

 

Bom, eu poderia pular todo esse preâmbulo retórico para dizer o que realmente quero destacar: é importante saber estimar e reconhecer o valor das coisas, a importância das pessoas em nossas vidas, da cultura, do tempo dedicado, etc. Por outro lado, o grande obstáculo para qualquer relacionamento é a vaidade ou os famosos “joguinhos psicológicos”. Como, por exemplo, pensar: “Não vou falar com ele para que ele sinta minha falta”. Não que eu viva ou tenha vivido isso diretamente, mas basta pesquisar no YouTube ou no Google o termo “aprenda a fazer falta” para ver como isso prolifera. Nunca entendi essa lógica.

 

Relacionamento, na minha visão, pressupõe dedicação, sem deixar de ser você mesmo, claro, e sem abdicar de suas próprias paixões. É cuidando de si que você poderá cuidar do outro.

 

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 11/01/2025
Alterado em 11/01/2025
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