“in a severe contest between intelligence, which presses forward, and an unworthy, timid “recalque” obstructing our progress” - The Economist - 1843.
Eu sempre tive a resposta na ponta da língua. Certa vez, no colégio, uma garota nitidamente fora do peso virou para mim e disse: “Por que você não morre, garoto?”. Ao que eu, sem titubear, respondi: “E você, por que não emagrece?”. A reação das pessoas à minha resposta foi de extrema estupefação. A própria “vítima” disse que não acreditava que eu tinha falado aquilo. Eu tinha quebrado um tabu. A professora de português, que é a “protagonista” dessa história, era espectadora naquele momento e fez um discurso politicamente correto, falando que algumas pessoas são preconceituosas e bla bla bla… Como se falar para uma pessoa emagrecer, para o próprio bem dela talvez, fosse mais grave do que desejar a sua morte.
Mas vamos à história do título de fato. Essa professora de português me apelidou de “machadinho”, talvez por ver em mim características de autodidatismo semelhantes a esse grande gênio da história da humanidade. Certa vez, ela pediu para que elaborássemos uma redação, e a melhor seria lida em voz alta. A minha (obviamente, cof cof) foi escolhida, e o título era “O proxeneta”. Para minha surpresa, a própria professora não sabia o significado de “proxeneta”. Aí eu falei: “Não? Então procure no dicionário”. Nossa, ela ficou totalmente ofendida, meus amigos. Fez outros discursos, tentando ser irônica, dizendo que ali, enquanto dava aula para alunos da USP, estava sendo desrespeitada e bla bla bla…
Mas o que é “proxeneta”, afinal? Procurem no dicionário, seus energúmenos. Brincadeira, é quem trabalha com prostituição, só que masculino. É o agenciador, o gerente, não o gigolô. Eu fiquei despeitado, porque, se ela tivesse lido o texto, o título ficaria implícito, então eu não quis explicar.
A questão que quero aprofundar vai mais além. A inteligência nas pessoas é uma virtude que eu sempre admirei, mas que nunca invejei. Pelo contrário, sempre me motivou a melhorar. Infelizmente, algumas pessoas parecem invejar essa característica nos outros, em vez de se inspirarem. Se não fosse a inteligência de outras pessoas, que me motivaram a aprender (inclusive a pessoa que amo), eu não seria quem sou. Não que eu seja grande coisa, mas, ao longo de 33 anos de existência, consegui adquirir um certo repertório nos conhecimentos que me interessam, o que me possibilita formar um discurso, e para mim isso já basta.
E se isso é possível, é graças às pessoas que admirei ao longo da vida e que me inspiraram. Não vou falar de grandes gênios aqui, como literatos, poetas, filósofos ou cineastas, porque é óbvio, mas de pessoas mais “comuns”, no entanto, geniais em suas áreas. A capacidade de Clóvis de Barros de ensinar suas ideias, de mastigar o conteúdo e nos encher de brio. O Cortella, com sua eloquência e naturalidade, capaz de discorrer sobre os mais variados assuntos. O Pondé, sempre provocando, com originalidade e sofisticação, embora se vista com roupas que parecem sempre acima do seu tamanho. O Karnal, educado e cheio de erudição.
O professor Flávio Ricardo Vassoler é um exemplo de interconexão brilhante entre ideias de diversos autores, fazendo conjugações entre cinema, literatura, sociologia, filosofia, psicanálise, com um vocabulário vasto e surpreendente para alguém tão jovem. Cristhian Dunker, no canal “Falando Nisso”, expõe psicanálise interconectada com uma miriade de pensadores consagrados e disciplinas. Fernando Schurer, jornalista e cientista político, também é um expositor brilhante.
Reinaldo Azevedo, com um texto impecável, preocupado com a norma culta e com um português raro de se ver na imprensa atual, possui uma lucidez discursiva e uma visão de mundo humanista com a qual eu concordo bastante. Seu programa é rico em referências culturais e está, na maior parte das vezes, do lado certo das análises políticas. Mas, na mídia escrita, considero o melhor texto de todos, pela sua fluidez, qualidade e riqueza de conteúdo, o de André Barcisnki. Ele escreve de forma simples e direta, quase como um romance policial, que prende. É mágico. Ele tem um canal no YouTube, no qual discorre com extrema propriedade sobre assuntos culturais que abrangem cinema, literatura e música, focando em cenários underground.
Estava comentando hoje mesmo com meu irmão que é uma pena que seus vídeos tenham apenas umas 10 mil visualizações, enquanto o panaca da esquina tem 100 mil, em prejuízo das pobres pessoas. Ruy Castro, grande biógrafo, entende muito de música e samba-canção. E o precursor do jornalismo cultural no Brasil, o cara que inspirou até Pondé a querer escrever em jornal: Paulo Francis, liberal, de gosto refinado e polêmico, era também assumidamente usuário de pó. Mas nunca se perdeu pelo que saiba. Seu texto era irrepreensível. Ele dizia: “Se é bom e eu não conheço, é porque não tem relevância.” Grande frasista.
E o humor brasileiro também produz grandes gênios, não é mesmo? Ariano Suassuna tem uma palestra que diz que o humor é expressão de inteligência, e não poderia concordar mais. Jô Soares, homem cultíssimo e elegante. Marcelo Adnet, o melhor comediante vivo neste país, na minha opinião, com quadros sofisticadíssimos, que faziam menção a grandes filósofos e pensadores – coisa de quem leu. E tem o Gregório Duvivier, que, além de ser fofo e formava um casal lindo com a Clarice, é poeta, escritor, de boa família, educado e inteligentíssimo. Fala francês fluentemente, um poliglota, digamos.
E, claro, não poderia encerrar essa lista sem falar de Luiz Inácio… Brincadeira, pessoal. Mas o nosso ministro, Gilmar Mendes, é uma figura inteligente e um jurista brilhante, que, nas suas defesas recorrentemente, cita obras literárias, muito diferente de Sérgio Moro, que mal sabe falar e redigir suas sentenças, segundo quem as leu. Como Reinaldo Azevedo desafiou: onde estão as páginas na sentença de Lula com as provas, Sergio Moro? Até agora ele não mostrou.
Mas pessoal, eu não quero ser acusado de elitismo, e aqui estou me referindo a um certo tipo de inteligência, a mais erudita e intelectualizada, por assim dizer. Segundo teorias modernas, há diversas formas de inteligência. Segundo Daniel Goleman, há um livro dele que vale a pena ler. Lula é, sim, um homem inteligente, inegavelmente, assim como muita gente do povo, ainda que desprovido de conhecimento formal, por terem sofrido o crime social de não estudar. Talvez inteligência não seja o termo mais apropriado para o texto, e sim cultura.