Sou fã tanto de RPG quanto de filosofia. Embora relacione a prática da filosofia diretamente com a vida, vejo o RPG como uma forma apenas de entretenimento. Porém, pretendo demonstrar como essas duas áreas podem se conectar, criando um método de gamificação para o ensino filosófico. Para ser honesto, não utilizo esse método na prática — na verdade, só pensei nisso hoje à noite, como uma forma de abstração. Nem sei se de fato funciona, mas queria, de qualquer modo, traçar uma teoria e um paralelo entre RPG e filosofia.
Meu RPG favorito é Final Fantasy Tactics, lançado originalmente para o PlayStation 1. Além de apresentar uma história política rica, repleta de traições, conflitos de classes sociais e dilemas éticos, o jogo possui um sistema de batalhas tático. Nesse sistema, os personagens se movem por um cenário dividido em quadrados, como um tabuleiro de xadrez, e cada jogador pertence a uma “job” (ou classe), que define suas características e habilidades.
As classes (ou profissões) desempenham um papel central na estratégia do jogo. Por exemplo, personagens podem ser treinados como Knights, especialistas em combate direto e na quebra de armaduras inimigas, ou como Black Mages, que lançam magias devastadoras de longo alcance. Para desbloquear novas classes, como Summoners ou Ninjas, você precisa acumular experiência e aprender habilidades de outras profissões. Assim, combinar diferentes classes e atribuí-las estrategicamente aos seus personagens é essencial para progredir no jogo.
Com a estratégia correta, inteligência e perspicácia, é possível patrulhar o jogo, tornando-o ridiculamente fácil.
Aqui entra o paralelo com a filosofia: cada escola de pensamento filosófico que você estuda e assimila é como desbloquear uma nova classe ou habilidade no RPG. Por exemplo, aprender o empirismo de Locke e Hume é como adquirir habilidades que priorizam a observação e a experiência. Por outro lado, dominar o racionalismo de Descartes é como desbloquear uma classe voltada para a lógica pura e o pensamento sistemático. Esses “jobs filosóficos” oferecem ferramentas mentais para interpretar o mundo e enfrentar desafios de forma mais preparada.
Assim como no RPG, algumas habilidades filosóficas são mais úteis em certas situações. Se você enfrenta um dilema ético no trabalho, por exemplo, conceitos como o imperativo categórico de Kant podem ajudá-lo a agir com base em princípios universais. Por outro lado, ao lidar com a incerteza e a falta de sentido, as ideias existencialistas de Sartre ou Nietzsche podem ser mais adequadas, oferecendo uma abordagem mais flexível e individualista. Cada escola filosófica, como cada classe no RPG, te equipa de maneira única para os desafios da vida.
Paulo Leminski, no documentário Ervilha da Fantasia (disponível no YouTube), menciona algo semelhante. Ele diz que todos os livros que tem espalhados pela casa (literalmente milhares) existem para torná-lo um poeta mais preparado e mais equipado para pratica da poesia. Do mesmo modo, cada nova filosofia que você assimila te torna mais preparado para a vida.
Alguns filósofos são mais difíceis de compreender do que outros, e suas obras podem ser desafiadoras. Por exemplo, Kant é famoso por sua complexidade e pela dificuldade de leitura, especialmente sem o auxílio de um comentador, professor ou facilitador que “mastigue” o conteúdo. No entanto, entender a forma de pensar de Kant — sua Crítica da Razão Pura, Crítica da Razão Prática, Crítica do Juízo ou o conceito de imperativo categórico — é uma experiência gratificante, quase um júbilo intelectual. O professor Clóvis de Barros Filho, que despertou meu interesse pela filosofia, compara ler Kant à experiência de escalar o Monte Everest.
Além de Kant, há outros filósofos igualmente difíceis, como Hegel, Heidegger e Aristóteles. Bergson, por exemplo, escreve de maneira belíssima, com uma linguagem quase poética, mas ainda assim hermética e de difícil compreensão. Por isso, não escrevo tanto sobre ele, pois ainda desconheço muito de sua obra. O mesmo vale para os pós-modernistas, como Derrida.
Por outro lado, há filósofos que oferecem leituras agradáveis e fluídas, quase como literatura. Santo Agostinho, em suas Confissões, e Kierkegaard, em Diário de um Sedutor, são exemplos de textos envolventes e prazerosos.
Quanto ao meu método de estudo, ele é completamente caótico. Leio aquilo que desperta meu interesse no momento, guiado pelo desejo. No meio do caminho, abandono um livro para começar outro, acumulando uma miríade de leituras iniciadas e não concluídas. Não sigo um cronograma ou disciplina rígida.
No entanto, me aprofundo mais na obra daqueles filósofos que realmente me tocam, seja pela forma de pensar, seja pelo estilo de escrita, como Cioran ou Sartre. Assim, vou adquirindo novas habilidades para jogar esse jogo virtual, mas demasiadamente real, chamado vida.