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DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos

SUPERANDO O PESSIMISMO COM SCHOPENHAUER 

Quem conhece minimamente a filosofia de Arthur Schopenhauer sabe que se trata de um filósofo pessimista, para dizer o mínimo. Sua definição para a condição humana é: “O homem oscila como um pêndulo entre a dor e o tédio.”

 

Para Schopenhauer, a vida é marcada pelo sofrimento causado pelos desejos não satisfeitos e, quando esses desejos são alcançados, o resultado é o tédio.

 

Até sua própria mãe reclamava do seu modo turrão de ser, incapaz de enxergar algo além do pior na existência e no ser humano, desde a mais tenra idade. Filho de um comerciante de sucesso, Schopenhauer não precisou trabalhar para sustentar sua carreira filosófica. Era um pensador antiacadêmico, o que se reflete até na linguagem de seus livros. Consta que deu apenas algumas aulas magnas, por escolha própria.

 

Aliás, um aparte aqui: a academia, na minha opinião, é um ambiente muito pouco propício ao exercício genuíno da filosofia. Esta deveria ser uma disciplina prática, indissociável da vida, do bem viver e da busca pela vida boa, como a ética era entendida pelos gregos antigos. Hoje, a universidade, para usar a linguagem de Deleuze, distribui prêmios e símbolos por meio da “máquina residual do corpo sem órgãos celibatário”, que produz uma espécie de volúpia e euforia no indivíduo. Mas isso é muito pouco. Não importa a quantidade de obras que alguém produza, se continua vivendo uma vida de má qualidade, sem sabedoria.

 

Voltando a Schopenhauer, em sua visão, o universo é composto por energias caóticas que se formam, harmonizam, expandem e destroem, compondo tudo o que existe no fluxo e refluxo de vida e morte, sem sentido, movido apenas pela vontade cega do acaso.

 

Aqui, paradoxalmente, a filosofia de Schopenhauer toca a de Hegel. Enquanto Hegel vê uma consciência onisciente que organiza o universo como um grande sentido e razão, Schopenhauer enxerga apenas uma vontade irracional e niilista. Essa é a grande diferença entre eles.

 

Daí vem a falta de esperança em Schopenhauer. Se a natureza é uma “mãe”, ela seria naturalmente matricida. A solução que o filósofo encontra para lidar com o não-sentido da existência está nos caminhos apontados pelas religiões orientais, especialmente o budismo, que propõe a dissolução do desejo. Na natureza, um ser vivo destrói o outro para sobreviver, e os prazeres sexuais, para Schopenhauer, são um dos maiores artifícios da vontade para perpetuar a espécie.

 

O ser humano, no entanto, é o único capaz de ter consciência desse ciclo e, para Schopenhauer, essa consciência confere a ele a capacidade de domar e, idealmente, eliminar seus desejos.

 

E como ele faz isso? Por meio da representação. Para Schopenhauer, a realidade é dividida em duas dimensões fundamentais: a vontade, que é cega, irracional e incessante, e a representação, que é a forma como o ser humano percebe, organiza e interpreta o mundo. A arte, em especial, desempenha um papel crucial nesse processo, pois oferece uma pausa no fluxo incessante da vontade.

 

Quando contemplamos uma obra de arte ou a beleza da natureza, por exemplo, somos momentaneamente libertados dos desejos e sofrimentos que nos consomem. A representação, então, é o meio pelo qual a mente humana pode transcender a dor causada pela vontade e encontrar alívio, ainda que temporário. Esse é, para Schopenhauer, o grande papel da arte: transformar os instintos destrutivos em formas sublimes de beleza e significado.

 

Devido a essa saída quase metafísica e ao pessimismo exacerbado, Nietzsche jamais se declarou um discípulo de Schopenhauer, embora, no início de sua trajetória, tenha sido influenciado por ele. Conceitos como vontade de potência e os impulsos apolíneos e dionisíacos dialogam, em alguma medida, com a teoria da vontade e representação de Schopenhauer.

 

Mais tarde, porém, Nietzsche subverteria esse pessimismo, oferecendo respostas mais afirmativas à vida, como o amor fati, a transmutação dos valores, as metamorfoses do espírito, e a criação do super-homem.

 

Schopenhauer entendia a existência como uma luta incessante contra uma vontade cega e insaciável. Nessa visão, sua filosofia oferece um espelho poderoso para situações como a da dependência química: ambas revelam como o desejo pode aprisionar, perpetuando ciclos de sofrimento e satisfação efêmera. Assim como Schopenhauer aponta a representação – seja pela arte, música ou contemplação – como caminhos para transcender a vontade, também podemos buscar criar formas de beleza ou sentido para contrabalançar os impulsos destrutivos.

 

No fundo, a saída que Schopenhauer propõe é um convite à transformação: não extinguir o desejo, mas redirecioná-lo. No contexto da adicção química, isso pode significar transformar a dor e os impulsos em algo que inspire elevação – como a música que acalma, a escrita que organiza a mente ou a contemplação de algo que nos devolva a paz. É nesse movimento, lento e contínuo, que encontramos a chance de não apenas superar nossos ciclos de sofrimento, mas criar, no caos, uma nova forma de viver.

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 05/01/2025
Alterado em 05/01/2025
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