Um jovem Friedrich Nietzsche, com apenas 25 anos, preparava-se para assumir a cátedra de filologia na Universidade da Basileia, uma das mais prestigiadas da Europa. Seu talento prodigioso e erudição extraordinária impressionaram a todos, e a publicação de seu primeiro livro, O Nascimento da Tragédia, cercou-se de grandes expectativas. Contudo, essa obra inicial foi recebida com duras críticas pela academia, sendo considerada um fracasso tanto comercial quanto em termos de repercussão. O insucesso abalou profundamente a carreira do jovem professor, que raramente se recuperou totalmente do trauma causado pela recepção negativa. Ainda assim, a história absolveria Nietzsche, e O Nascimento da Tragédia seria reconhecido como uma obra seminal, carregada de méritos que marcariam sua filosofia futura.
Reconheço, como leitor de Nietzsche, que este talvez seja o trabalho mais “fraco” de sua trajetória, especialmente em termos de ideias e força filosófica. Isso se deve, em parte, ao fato de ele estar ainda preso aos conceitos de pensadores que admirava na época, como Arthur Schopenhauer e sua ideia de “vontade e representação”. Essa influência, embora rica, limita Nietzsche a uma interpretação mais tradicional, que posteriormente evoluiria para sua própria teoria da “vontade de potência”. Da mesma forma, a música de Richard Wagner, a quem Nietzsche dedicou enorme admiração nesse período, exerceu profunda influência estética sobre o livro. Mais tarde, essa relação seria rompida devido a divergências ideológicas, marcando o afastamento de Nietzsche do nacionalismo wagneriano.
Ainda assim, O Nascimento da Tragédia já revela a audácia de um pensador singular. Com coragem, Nietzsche tenta adentrar na psicologia das tragédias gregas, como Édipo Rei, Antígona, Prometeu Acorrentado, As Bacantes e Medeia, enquanto examina o papel de Sócrates como símbolo da decadência da chamada “Idade de Ouro” da cultura grega. Para Nietzsche, Sócrates representa uma ruptura com os valores estéticos e trágicos dos sofistas e dramaturgos, como Ésquilo, Sófocles e Eurípides. Em vez de celebrar a beleza e a retórica, a Grécia passa a priorizar a dialética socrática – um método baseado em perguntas incessantes, cujo objetivo seria chegar à verdade absoluta. Para Nietzsche, tal método é seco, racionalista e redutor, sendo comparado, de forma crítica, às estratégias defensivas de um advogado em tribunal.
Uma das maiores contribuições de O Nascimento da Tragédia é a introdução dos conceitos de apolíneo e dionisíaco. Esses dois princípios, retirados das figuras dos deuses Apolo e Dioniso, ajudam a compreender não apenas a psicologia da tragédia grega, mas também a própria dinâmica da existência humana. O apolíneo representa a ordem, a razão, a clareza e os sonhos; já o dionisíaco simboliza a festa, a embriaguez, a loucura e a vitalidade descontrolada. Para Nietzsche, a grandeza da tragédia grega, a qual ele denominou de Grande Estilo, reside na fusão desses dois elementos aparentemente opostos em uma unidade estética sublime.
Para os gregos antigos e para Nietzsche, as adversidades, a dor e o sofrimento representados nas tragédias eram fundamentais para a elevação da vida, para a criação de algo novo – a própria beleza que emerge do trágico. Em contrapartida, a estagnação, a paz contínua e a acomodação representam a dissipação das forças vitais. Nesse contexto, a ascensão de Sócrates e a supremacia da dialética e da filosofia em detrimento da arte trágica marcaram, segundo Nietzsche, a decadência de Atenas.
Nietzsche enxergava na desvalorização de dramaturgos como Ésquilo, Sófocles e Aristófanes e na priorização de filósofos como Platão e Aristóteles o início da deterioração de uma sociedade que havia perdido o equilíbrio entre os elementos apolíneos e dionisíacos. Sem o elemento trágico, que equilibra a ordem e o caos, a vida perde sua vitalidade.
Apesar das críticas e limitações, O Nascimento da Tragédia já anunciava a petulância e o ímpeto criativo de Nietzsche. É impressionante que, com apenas 25 anos, ele tenha se aventurado a explorar, com tal profundidade, a psicologia das tragédias gregas e o impacto de Sócrates na cultura grega. Mesmo não sendo sua obra mais robusta, este livro permanece essencial para compreender o início de seu pensamento e sua crítica à modernidade. Nietzsche, mesmo em sua juventude, já se mostrava um pensador capaz de desafiar a tradição e apontar novos caminhos para a filosofia.