Já fiz inúmeros esforços para crer, mas todas as evidências que encontro apontam para a não existência de Deus. Tentei pensar em Deus como a substância imanente de tudo o que existe, à maneira de Espinosa. Também já optei por chamar de Deus o Universo, as forças que o movem e o impulsionam, e até mesmo aceitei, por um momento, a ideia de um Deus antropomórfico, como o cristão. Mas tudo me leva a crer que “Deus” é apenas uma palavra usada para designar uma única coisa: o caos e o acaso.
Se eu ainda estou vivo, não é por milagre, mas por sorte e acaso.
Freud chamou Deus de uma ilusão em seu livro O Futuro de uma Ilusão. Para ele, essa crença é uma necessidade psíquica, fundamental para que os homens modernos suportem a existência, acreditando em um plano superior onde há redenção, recompensas e punições. Essa ideia se mostra evidente no dia a dia. Por exemplo, em minha última conversa com o rapaz da “biqueira”, eu disse que pretendia que essa fosse minha última ida ao local. Ele me contou, em tom de pregador:
“Irmão, eu usei crack por 15 anos. Até que um dia joguei tudo fora, larguei de vez e nunca mais usei. Meu único amigo era Deus. Quando você chegar na sua casa, Deus será seu único amigo. Eu trabalho aqui com isso” (e me mostrou os pinos de crack). “Eu sinto vontade de usar todo dia, mas não uso. Deus vai lhe dar força.”
Essa foi a essência do que ele me disse. Não vou nem entrar na enorme contradição: Deus o libertou, mas seu trabalho agora é, essencialmente, “escravizar” outros usuários. Deus estaria “passando pano” para essa situação em prol do bem-estar de apenas um de seus filhos?
Mas, e para aqueles que não creem, como eu? Como lidamos com o sofrimento inerente à vida?
Onde muitos veem um abismo, eu procuro enxergar otimismo. Se Deus morreu, como disse Nietzsche, então o ser humano está, finalmente, vivo. Somos livres para agir por conta própria. Mesmo que nossos atos sejam carregados de desespero, como observou Sartre, dependemos apenas de nós mesmos para enfrentar o sofrimento.
Esses dias de sobriedade, em casa, sem estrutura ou medicação, têm sido extremamente difíceis. Sou dependente tanto de benzodiazepínicos quanto de cocaína. Talvez, neste momento, a abstinência dos primeiros seja a mais evidente. Da cocaína, já consegui me afastar antes — fiquei dois anos sem usá-la e sobrevivi. Mas agora é quase impossível descrever a sensação de mal-estar: cansaço extremo, apatia, sono constante, dificuldade de concentração, suor frio e a vontade de apenas permanecer deitado. Como se meu corpo a todo instante alertasse a falta de alguma substância essencial para ele e que não está presente. Enjoo, náuseas.
Queria aproveitar este tempo para ler, mas não consigo. Minha mente não colabora, a concentração me escapa. É com enorme esforço que extraio essas palavras do meu âmago, estas que agora compartilho.
Sei que esta virada de ano não será fácil. Mas eu quero atravessar 2025 inteiro sem usar nada. E terei fé para isso? Não em Deus, mas em mim mesmo.
“Não me toquem nessa dor, ela é tudo o que me resta.” – Paulo Leminski.
Carrego o peso da lua,
Três paixões mal curadas,
Um saara de páginas,
Essa infinita madrugada.
Viver de noite
Me fez senhor do fogo.
A vocês, eu deixo o sono.
O sonho, não.
Esse, eu mesmo carrego”.
- Paulo Leminski.