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DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos

CONTAR COM O OVO NO C* DA GALINHA

Meus leitores mais assíduos devem estranhar o tom desse título: ele não condiz com alguém da minha estirpe. Mas minha frustração e raiva são tão grandes que, nesse momento, penso em palavrões ainda mais inauditos. Continuo em casa, meus planos de internação não deram certo, mesmo com indicações de amigos. Aparentemente, meu caso não é considerado grave. Mas quem decide o que é grave ou não?

 

Achille Mbembe cunhou o termo necropolítica para descrever como o Estado define as condições e estabelece as regras de quem vive e quem morre. No meu caso, se tiver que ser, devo morrer? Disseram que não havia um CID que justificasse minha internação. Então, eu não sou “psiquiátrico o suficiente”? Mesmo correndo risco de vida?

 

E por que o Estado deveria investir em alguém que, talvez, já esteja descartado para uma função social, como um paciente psiquiátrico grave? Afinal, segundo essa lógica, eles não vão gerar renda ao Estado por meio do trabalho ou do consumo. No entanto, sou um contribuinte ativo, pagador de impostos, que ainda pode ser recuperado integralmente para o sistema. Eu já disponho de uma vaga no hospital da USP para tratamento de dependência química. Tudo o que pedi foi um local, sob supervisão médica, para atravessar o período de abstinência. Depois disso, seria encaminhado para a desintoxicação na instituição onde já sou paciente.

 

Será que estou sendo egoísta ao pensar assim? Abri mão de toda soberba ao pedir ajuda a pessoas que sequer conhecia bem. Nos últimos dias, revelei minha doença aqui para vocês, leitores, e também para amigos íntimos, buscando uma rede de apoio. Expus-me e me rebaixei. O mais fácil seria continuar vivendo minha hipocrisia: levar uma vida aparentemente ilustre, digna e trabalhadora, sem máculas biográficas, com uma reputação ilibada.

 

Agora, a tendência é que todos no meu trabalho fiquem sabendo. No atestado médico que apresentei, constam cinco dias de afastamento e o CID referente à dependência química. Isso significa que não tenho nem estrutura nem tempo suficientes para me tratar. Além disso, perdi a privacidade sobre minha condição. Meu direito ao anonimato foi violado.

 

O que fazer?

 

Michel Foucault, em seus estudos, questionou as relações de poder que instituições como prisões, hospitais psiquiátricos e clínicas de recuperação exercem sobre os indivíduos. Sua jornada intelectual começou com uma investigação pessoal: sua família acreditava que ele “não regulava bem da cabeça”, o que o levou a estudar a história dos loucos em seu livro História da Loucura na Idade Clássica.

 

De Foucault, li apenas Vigiar e Punir (Além de As Palavras e as Coisas, mas ali o assunto é “outro”), onde ele analisa as prisões. Talvez agora eu precise seguir seus passos e estudar mais profundamente seus textos, como História da Loucura ou O Nascimento da Clínica. Preciso entender melhor minha condição, refletir sobre o que é racionalidade e irracionalidade e por que existem “loucos” marginalizados enquanto outros têm primazia no acesso a vagas hospitalares, em detrimento a alguém com dependência química, como eu, por exemplo.

 

Parar, estudar, refletir!

 

Lenin dizia que, diante de um problema, a solução era estudar. E se o problema fosse maior, a resposta seria estudar ainda mais. É o que pretendo fazer.

 

 

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 30/12/2024
Alterado em 30/12/2024
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