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DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos

ESTRATÉGIAS PARA FICAR LONGE DO VÍCIO

Quem me lê sabe como meu pensamento tem forte influência de certos filósofos, Nietzsche principalmente. Mas todos os filósofos que aprecio são materialistas. Desde os pré-socráticos, como Demócrito, que pensou pela primeira vez no átomo, passando por Heráclito e Helvécio, até os da pré-modernidade, como Baruch Espinosa. E, também, os filósofos pós-modernos, época que se convencionou chamar de nossa era atual, que foi inaugurada pelo pensamento justamente de Nietzsche. Filósofos como Foucault, Deleuze, Cioran e até mesmo Zizek, embora seu materialismo histórico e o excesso de hegelianismo não me agradem tanto.

 

É quase consenso entre os filósofos que admiro que o mundo é caos e nós, seres vivos, somos mera energia, potência de agir ou vontade de potência, para usar os termos de Espinosa e Nietzsche, respectivamente.

 

No entanto, sinceramente, eu não sei identificar exatamente o que, no mundo, aumenta minha potência de agir. O que me faz mal e a reduz, isso eu tenho mais facilidade de identificar.

 

Sei que estudar, ler, ouvir música, ver um filme, ler um belo poema, me alegram. E mais do que isso, me geram “contentamento”, que é quando todo o nosso corpo é afetado por uma alegria, uma excitação geral. Quando a excitação se concentra em um único órgão, segundo Espinosa, isso é nocivo para nossa potência de agir, como na excitação excessiva sexual, que gera o vício em sexo, ou do paladar, que origina a gula, podendo ocasionar obesidade e colesterol alto. Portanto, o objetivo do ser humano é o contentamento: a alegria no corpo inteiro que aumenta nossa potência de agir. O objetivo do ser humano é perseverar no próprio ser, não perecer, mas existir cada vez mais forte, mais potente. Espinosa chama essa tendência dos seres humanos de “conatus”. Portanto, meu caminho da destruição, do vício frenético (para usar o nome de um grande filme de Abel Ferrara), não é um caminho natural do ser vivo.

 

Eu pretendo buscar atividades que aumentem minha potência de viver. A academia, quando eu a praticava, me ajudou a ficar abstemio por um bom tempo. É um caminho que pretendo retomar.

 

Durante o tempo que fiquei sóbrio, minha atividade intelectual foi intensa. Cheguei a ler 64 livros em um ano. Em adicção, essa quantidade caiu vergonhosamente. Também assistia a muitos mais filmes, não perdia um bom jogo de futebol, tanto da bola redonda quanto da oval, e até basquete. Adoro esses esportes. Tudo isso me alegra, me gera contentamento.

 

Por incrível que pareça, a cocaína de boa qualidade, e em quantidade reduzida, também aumentava minha potência de agir. Mas eu sou adicto, tenho uma doença, sou impulsivo, não consigo me controlar e acabo abusando, o que diminui minha potência. Portanto, tenho que ficar 100% sem usar. Nunca tive problemas com álcool. Fumei por um tempo, mas parei; nunca vi muita graça. Como muitos, minha primeira droga foi a maconha, já com uns 21 anos de idade, mas sempre fui controlado, ela nunca me atrapalhou socialmente ou foi um problema. Mas depois de um tempo, não gostei mais da “brisa” da maconha, de ficar lesado, etc. Então parei. Meu barato sempre foi o estimulante. Também já experimentei outras drogas, como êxtase e LSD. Embora prazerosas, e diferentes entre si, nunca me levaram ao vício. O êxtase combina bem com música eletrônica, enquanto o LSD é uma viagem, com luzes neon e tudo colorido. No entanto, o risco de uma bad trip é real. Sempre tive medo dessas drogas psicoativas, de atravessar o espelho e ficar eternamente no ‘mundo de Bob’, por isso sempre as evitei.

 

Por isso, eu digo: não é tão simples ficar sóbrio. Com o passar dos tempos, as atividades comuns que me dão prazer tendem a se tornar monótonas, e é comum cair na armadilha de achar que está faltando algo na sua vida, um pouco de “insanidade”. E a cocaína é prazerosa, apesar de fazer mal. Se não fosse, não venderia tanto. Mas é extremamente nociva. Algo que eu gostava na cocaína era que ela aumentava minha libido. Sem ela, eu não tenho muito desejo sexual, mas ela o potencializa significativamente. Mas, ao mesmo tempo, reduz minha capacidade de julgamento moral, tornando-me cada vez mais inconsequente, impulsivo, e com vontade de aumentar cada vez mais as doses. Algumas pessoas falam que ela é uma droga do mal, maligna, enquanto a maconha seria mais zen, mais do bem. Mas isso é uma apreciação muito moral para o meu gosto. E eu sou nietzscheano, julgo o mundo com minha própria tábua de valores, dou a mim mesmo meu bem e meu mal. E, nessa tábua, a cocaína é, com certeza, um mal. Não que ela me faça praticar coisas más, mas sim porque ela diminui minha potência de agir, minha tendência de persistir no meu próprio ser. Ela mata, destruindo aos poucos, até a morte. A eliminação total da energia vital, do “élan vital”, como diria Bergson. Por isso, é algo a ser evitado. Mas, sem o devido acompanhamento médico, é difícil. Sentir abstinência é pior do que os sintomas adversos que a cocaína proporciona, honestamente. Há a medicação que a reduz, mas eu não tenho disciplina para tomar da maneira correta. E tenho medo de tomá-la e continuar usando cocaína. Por isso, minha decisão é me desintoxicar em um ambiente controlado, sob cuidados médicos, onde não haverá drogas.

 

Então, após me desintoxicar, voltarei à academia, às minhas atividades intelectivas, focarei mais nos meus hobbies e assim levarei outro modo de viver: sóbrio, careta, mas saudável. Porque, em primeiro lugar, eu amo a vida. E não quero abandonar as pessoas que amo de modo precoce.

 

Por fim, eu tenho uma única tatuagem, apesar de gostar esteticamente de tatuagens. Só tenho uma porque, para mim, elas devem ter significado. E a minha exclusiva é um bracelete em formato de película cinematográfica, que expressa meu amor pelo cinema, e ainda é até discreta. A próxima que estou pensando em fazer, de modo bem minimalista e em um lugar que ninguém veja, é uma garrafa de vidro com a palavra “insanity” escrita dentro, para me lembrar de como sou frágil. Mas não sei se tenho coragem de fazer algo tão ostensivo assim, embora tenha bastante significado para mim. Talvez eu faça em um local visível, mas de forma discreta, apenas para mim.

 

Quando eu retornar do período de desintoxicação, haverá uns 6 pacotinhos de cocaína guardados. Eu poderia me livrar deles imediatamente, mas quero voltar para casa, encará-los de frente e, finalmente, eliminá-los para sempre, com muita força de vontade.

 

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 22/12/2024
Alterado em 22/12/2024
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